Título: As crianças pedem muito, pedem o tempo todo
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/11/2008, Economia, p. B10
O Condomínio da Bênção, em Queimados, na Baixada Fluminense, ainda não faz jus ao nome. Ali vivem 11 famílias em casas inacabadas, erguidas num terreno abandonado há muitos anos. Nenhum dos adultos tem carteira de trabalho assinada ou completou o ensino fundamental. Sem renda fixa, os moradores recebem ajuda de uma igreja evangélica vizinha, a Assembléia de Deus. Eles são um retrato dos brasileiros que vivem no degrau mais baixo da distribuição de renda, que não estão sendo beneficiados pelos avanços sociais dos últimos anos.
É o caso de Iara de Alvarenga Félix, de 50 anos, que vive com cinco filhos e dois netos num barraco de três cômodos - cozinha, banheiro e quarto. Iara não tem renda nenhuma. Sem documentos, o benefício de R$ 45 do Bolsa-Família foi bloqueado. O filho mais velho, que trabalhava com instalação de azulejos, adoeceu ¿dos pulmões¿. ¿Um dia ele começou a colocar sangue pelo nariz, tossia. O Marco Aurélio sempre fez muita extravagância, pegava friagem. Aí o médico disse que deu tuberculose¿, conta.
Antes de se mudar para a vila, Iara morava na casa da sobrinha em Campo Grande, zona oeste do Rio. Cuidava das crianças em troca de moradia. De vez em quando, aparecia alguma faxina para fazer. A sobrinha vendeu a casa e Iara teve de se mudar com os filhos e netos para Queimados.
¿As coisas ficaram mais difíceis¿, diz Iara. A luz foi cortada e ela não pagou o IPTU de R$ 56 anuais. Sobre o fogão, só uma panela de arroz. O gás acabou faz dias e ela não tem R$ 32 para comprar outro. Para aquecer a comida, Iara usa o ¿fogão de álcool¿ - coloca álcool numa lata de sardinha e acende o fogo.
Tem poucos eletrodomésticos: televisão de 14 polegadas, uma cafeteira antiga, geladeira e fogão, que na maior parte do tempo serve só para apoiar a lata de sardinha que será usada para aquecer a refeição.
Na Vila da Bênção, as crianças correm soltas - a maioria dos moradores tem algum grau de parentesco. Os adultos que não conseguiram biscate para o dia colocam as cadeiras para fora de casa ou conversam de janela para janela. Doris Braz Secundino, da Assembléia de Deus, conhece todos pelo nome, e distribui donativos obtidos na Igreja em que o marido é pastor.
Rosemere Santiago da Silva, de 31 anos, cria sozinha os seis filhos, de idades entre 3 e 18 anos. Ela recebe R$ 152 do Bolsa-Família e complementa o orçamento cuidando de crianças, o que lhe rende uma diária de R$ 15. ¿A gente vai se virando. Não dá nem para explicar como a gente faz. O (filho) de 16 quer um tênis. Eu digo que não vai dar. E as crianças pedem muito. Pedem o tempo todo.¿