Título: Bom senso e espírito prático
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/11/2008, Notas & Informações, p. A3

Dirigentes de bancos centrais, assim como agentes funerários, costumam se mostrar circunspectos em público e raramente se permitem exibições de entusiasmo. São em geral conservadores e pouco inclinados a ações audaciosas. Suas palavras são, quase sempre, reveladoras de extrema cautela, e nem o risco de uma severa recessão global parece comovê-los. Esse estereótipo novamente prevaleceu, na imprensa, depois de encerrada, em São Paulo, a reunião bimestral do Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements, BIS), também conhecido como banco central dos bancos centrais. Isso se explica, em parte, como efeito de um contraste: a cena havia sido ocupada, um dia antes, pelo destemperado entusiasmo do ministro da Fazenda, Guido Mantega, no fim do improdutivo encontro de ministros do G-20 financeiro.

Segundo o noticiário, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, recomendou cautela no uso da política fiscal para o combate à recessão. A mesma posição cuidadosa foi atribuída a seu colega brasileiro, Henrique Meirelles, e, de modo geral, a todos os participantes do encontro. Esse foi o tom do material apresentado na maior parte dos meios de comunicação. No entanto, nenhuma daquelas autoridades condenou de forma indiscriminada a ampliação do gasto público ou a concessão de facilidades tributárias ao setor produtivo. Ao contrário: o anúncio do pacote chinês de US$ 586 bilhões foi saudado como excelente notícia.

As palavras de Trichet foram simplesmente sensatas: se um país tiver inflação controlada e contas públicas e externas em ordem, seu governo deve usar o instrumento fiscal para estimular a atividade. ¿Os países com baixo nível de déficit devem usar essa margem de manobra para amenizar o impacto da crise na economia¿, afirmou.

Poucos dias antes, o novo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard, havia defendido enfaticamente o recurso à política fiscal expansionista. Muitos países, segundo ele, têm condições de usar esse instrumento. Mas é preciso, ressalvou, avaliar as possibilidades de cada país. Em todo o mundo, nenhuma autoridade respeitada propôs um procedimento diferente.

Os comentários de Trichet e Meirelles são especialmente oportunos. Remédios, mesmo quando necessários, têm efeitos colaterais, lembrou o presidente do Banco Central brasileiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma política fiscal expansionista poderá elevar a dívida pública a mais de US$ 1 trilhão.

No caso do Brasil, é preciso determinar se é necessária, de fato, uma política fiscal mais folgada que a de hoje. O País, segundo Meirelles, já tem uma política anticíclica, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Poderia ter acrescentado: só falta executar esse programa, porque o governo tem sido incapaz, até agora, de fazê-lo deslanchar. A sinceridade, nesse caso, seria pouco diplomática, mas instrutiva para a maior parte do público, pouco informada sobre o emperramento do PAC.

É preciso pensar também nas contas externas: como ficará o déficit nas transações correntes do balanço de pagamentos, se a demanda interna for estimulada e as exportações continuarem a perder impulso? Esta é uma das questões de maior importância estratégica, neste momento, mas a maior parte do governo parece dar-lhe pouca importância.

Meirelles teve o cuidado, também, de reafirmar a meta de inflação: a taxa de 4,5% continua no centro do alvo. É uma advertência oportuna, dirigida a quem esteja apostando num afrouxamento da política antiinflacionária. Não é uma promessa de novos aumentos de juros. Se, como disse o ministro da Fazenda, a inflação tender a cair, a meta será alcançável sem maiores sacrifícios. Cabe ao Comitê de Política Monetária (Copom), responsável pela fixação dos juros, analisar os dados, avaliar a tendência e tomar a decisão. Medidas importantes para revitalizar o crédito e fortalecer o sistema financeiro têm sido tomadas, como a redução dos depósitos compulsórios e o estímulo à compra de carteiras de crédito pelos bancos maiores.

Nada justifica, neste momento, afrouxar o combate à inflação e muito menos anunciar esse propósito. Haverá um momento mais propício para essa decisão, se for o caso.