Título: O retorno do feitiço
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/11/2008, Notas & Informações, p. A3

O "feitiço voltar-se contra o feiticeiro" é uma das expressões da sabedoria popular que têm como "moral da história" a condenação dos radicalismos. Nisso ela se aplica perfeitamente à execução dos mandados judiciais de busca e apreensão realizados pela Polícia Federal (PF), na madrugada de quarta-feira, no apartamento do delegado Protógenes Queiroz, alugado em Brasília; no quarto do hotel em que costuma hospedar-se, em São Paulo; e no apartamento de seu filho, no Rio de Janeiro.

Protógenes tornara-se o notório protagonista da "espetacularização" levada a efeito pela Polícia Federal, com destaque especial para a Operação Satiagraha, que prendera em julho - com algemas, exibição na televisão ao vivo e em cores, e tudo o mais - o banqueiro Daniel Dantas e outros executivos do Banco Opportunity, além do especulador Naji Nahas e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta. Se aquelas prisões, com toda a sua espetaculosidade, haviam sido efetuadas graças a mandados judiciais devidamente decretados, a busca e apreensão nas residências do polêmico delegado da Polícia Federal, coordenador da Satiagraha, também se fundamentou em mandado expedido pela Justiça, em processo de investigação sobre os vazamentos ocorridos naquela operação. Iguais mandados atingiram outros policiais federais que haviam participado da Satiagraha.

O delegado Protógenes, afastado daquela famosa operação em meio a intensa celeuma sobre os métodos utilizados pela PF em suas investigações - da qual também participaram o Ministério Público e o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes -, reagiu com indignação à ação da PF a que teve que se sujeitar. Contou ter sido acordado às 5 horas por um delegado, uma escrivã e dois policiais, no quarto do Hotel Shelton, no centro de São Paulo. Considerou essa operação uma "violência" e a atribuiu a uma "trama", realizada contra sua pessoa, tendo em vista "deslocar o caso Dantas". Os policiais levaram de sua casa um notebook, o telefone celular e um rádio.

O delegado se queixou da "falta de critério" para as apreensões, que incluíram fotos, arquivos de palestras e até sua monografia do Curso Superior de Polícia. Disse ele: "Em toda a minha vida profissional nunca havia sido submetido a tamanha humilhação e constrangimento." Mas convenhamos: na operação deflagrada no dia 8 de julho, sob a coordenação do mesmo delegado Protógenes, envolvendo, além dos já mencionados, outros 14 acusados de corrupção, evasão de divisas, crime contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro, quantos destes também não se submeteram a humilhações e constrangimentos que jamais haviam experimentado em suas respectivas vidas profissionais?

Lembremo-nos de que naquele mesmo dia o presidente do Supremo atacou com duras críticas os métodos para a prisão dos acusados, condenando o uso de algemas e a exposição midiática dos presos. As buscas e apreensões nas residências de Protógenes, reconheçamos, não foram feitas com o aparato das câmaras de televisão, prontas a flagrar o investigado em trajes íntimos - como ocorrera na operação por ele comandada. E a perturbação sofrida pela família do delegado - incluindo filhos menores - com a operação realizada às cinco horas da manhã é tão lamentável quanto a perturbação que sofreram as famílias dos acusados na Satiagraha - com a diferença, certamente, que existe entre os vexames da prisão e os da simples busca e apreensão.

Por sobre a crítica devida aos métodos de atuação, seja de uma ou de outra operação, há que se detectar o grave problema da divisão interna da Polícia Federal. Há interesses grupais divergentes, ou concorrentes, que, no fundo, nada têm que ver com os objetivos maiores da instituição, no que concerne ao serviço de segurança que presta à sociedade. Seja por disparidades de visões metodológicas, seja por ligações maiores ou menores com pessoas ocupando este ou aquele nicho de poder, seja pela intromissão de outras instituições - como a Abin -, o fato é que uma instituição tão importante para o País, como é a Polícia Federal, acaba tendo sua eficiência comprometida por uma cizânia que a cada dia vai se tornando tão crônica quanto notória. Até quando? - eis o que é legítimo a sociedade brasileira indagar.