Título: A avaliação dos cursos médicos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2008, Notas e Informações, p. A3
De 679 alunos do 6º e último ano de graduação das faculdades públicas e privadas de medicina, que prestaram o exame de habilitação profissional do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), 61% não conseguiram passar da primeira fase. A maior parte dos estudantes demonstrou não ter conhecimentos mínimos em áreas como pediatria, ginecologia, obstetrícia, clínica médica e clínica cirúrgica. Metade dos formandos não soube responder quais são os sintomas que permitem fazer o diagnóstico de um caso de tuberculose.
É a maior reprovação desde que a prova foi criada pelo Cremesp, há três anos. No primeiro teste, realizado em 2005, participaram 998 estudantes e o índice de reprovação foi de 31%. Na prova de 2008, as universidades públicas tiveram desempenho melhor do que as particulares - 54,1% de média de aprovação, ante 32,5%. "O indivíduo que vai definir se você vai morrer ou sobreviver é esse estudante mal preparado", diz o presidente do Cremesp, Henrique Gonçalves, depois de lembrar que a maioria dos formandos dos cursos de medicina começa a trabalhar nos setores de emergência e pronto atendimento dos hospitais. Ou seja, áreas estratégicas onde profissionais não qualificados podem colocar vidas em risco.
É preciso considerar, no entanto, que as coisas não são tão simples assim e que os números do Cremesp, apesar de preocupantes, precisam ser analisados com cuidado para evitar conclusões apressadas que possam deixar a população inquieta e insegura. A principal questão que os especialistas em medicina apontam diz respeito à representatividade da amostra de examinados e ao alcance da prova aplicada pela entidade. Atualmente, há 31 escolas médicas no Estado de São Paulo. Em média, elas formam cerca de 2,5 mil médicos por ano. Todavia, como o exame de habilitação profissional do Cremesp não é obrigatório, este ano só os alunos de 23 das 31 escolas se dispuseram a fazê-lo. E, mesmo assim, apenas 13 escolas tiveram mais de 20 estudantes inscritos - número que a entidade considera mínimo para assegurar a representatividade da instituição avaliada.
"Não é um exame que pode avaliar se alguém será ou não um bom médico. A prova não indica o profissional ideal", diz o estudante Rafael Engelbrecht, da Unicamp. "O curso não deve preparar o aluno apenas para uma prova. Devemos ter isso em mente desde o primeiro ano", afirma o estudante Calin Nader, da Unifesp.
Além disso, os alunos de duas das mais importantes instituições de ensino superior - a USP de Ribeirão Preto e a própria Unicamp - se recusam a fazer o exame do Cremesp. Outras universidades, como a PUC de Sorocaba e a PUC de Campinas, também não reconhecem a validade da prova. Para o pró-reitor de extensão universitária da Unifesp, Vilnei Mattioli Leite, o exame da entidade peca por não levar em conta habilidades específicas exigidas de um médico. "Os resultados são preocupantes, sim. Mas, para o bem ou para o mal, os alunos que participam do teste não são representativos das escolas em que estudam. A medicina tem um espectro prático e a prova é teórica", diz Paulo Elias, titular de políticas públicas da Faculdade de Medicina da USP.
Há ainda outro ponto que a direção do Cremesp deixou de lado, ao alardear a falta de qualificação dos formandos em medicina no Estado e relacioná-la com o aumento de denúncias sobre erros médicos. Trata-se do fato de que a maioria dos profissionais recém-formados, antes de clinicar, passa por cerca de dois anos em residência médica. Ainda que a oferta de vagas em residência seja insuficiente para atender um número cada vez maior de formandos, esse é um filtro de qualidade que não pode ser desprezado.
Por isso, as afirmações do presidente do Cremesp deixam inseguro quem procura os serviços de urgência dos hospitais. Pela sua contundência e generalização - nem todo jovem médico que "define" se alguém vai "morrer ou sobreviver" é mal preparado -, suas declarações beiram o alarmismo. Diante da proliferação de faculdades de medicina, nos últimos anos, é recomendável e necessário que a qualidade do ensino na área seja avaliada, como afirma o ministro da Educação. Mas essa avaliação tem de ser feita com rigor.