Título: Um de cada 5 servidores já cobrou propina
Autor: Leal,Luciana Nunes ,
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/11/2008, Nacinal, p. A4

Pesquisa feita pela UnB revela descaso com ética e gasto público

Luciana Nunes Leal, BRASÍLIA

Um em cada cinco funcionários públicos (22,5%) admite que já descumpriu a lei. Uma proporção semelhante (18,1%) confessa que já cobrou propina para atender a uma reivindicação legítima do cidadão. Apenas 51,3% se consideram éticos e 11,9% vêem a profissão que exercem "com desprezo". Os resultados fazem parte de pesquisa feita pela Universidade de Brasília (UnB), a pedido da Comissão de Ética Pública, da Presidência da República, sobre a conduta da sociedade civil em geral e do servidor em particular.

Para o coordenador da pesquisa, Ricardo Caldas, da Faculdade de Ciência Política da UnB, a conclusão é desanimadora: os servidores, embora em menor grau, refletem o comportamento da sociedade, em boa parte tolerante com a corrupção, adepta do "jeitinho brasileiro" e pouco preocupada com ética e rigor nos gastos públicos.

O levantamento sobre padrão ético mostra a má imagem que o servidor faz da categoria. Mais de um quarto dos entrevistados (26,7%) diz que a categoria não está voltada para o interesse público e 55,7% consideram os funcionários "amadores" ou "semiprofissionais".

Outro dado destacado por Caldas, que defende o fim dos cargos comissionados - preenchidos sem concurso público -, é que 36,8% chegaram ao funcionalismo por indicação de amigos, parentes ou contatos políticos. Menos da metade (47%) acredita que os servidores são qualificados para a função. Só 51,3% se consideram éticos.

SONEGAÇÃO E NEPOTISMO

A pesquisa com a sociedade civil revela o alto grau de descumprimento das leis e a condescendência com o nepotismo e o uso de dinheiro público em benefício próprio. Nada menos que 78,4% dos entrevistados - cidadãos a partir de 16 anos - admitiram ter deixado de cumprir a lei em algum momento.

O curioso é que 59,4% se dizem éticos, destaca Caldas, como se cumprimento de leis e ética não tivessem relação. Metade (50,3%) admite que, se fosse servidor ou político, contrataria parente para cargo público e mais de um terço (36,3%) disse que não declara corretamente os ganhos à Receita Federal.

Entre os servidores, 14,4% disseram que não declaram corretamente os rendimentos à Receita e 35,2% não quiseram responder à pergunta. Na questão sobre nepotismo, 32,1% dos funcionários disseram que contratariam parentes, se pudessem. Outros 32,5% preferiram não responder e apenas 35,4% disseram que não contratariam.

"Temos 500 anos de tolerância e impunidade, não me espanta que a pesquisa tenha refletido essa realidade. Mas vejo que as coisas estão mudando. Um indicativo é o grande número de prefeitos eleitos que têm nos procurado, preocupados em fazerem uma auditoria prévia", diz o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, responsável pela fiscalização da gestão pública nas esferas municipal, estadual e federal. "Hoje, a impunidade não é uma certeza absoluta. Mas a sensação continua porque os processos não levam à cadeia."

CARTÃO CORPORATIVO

Os resultados serão discutidos em reunião da Comissão de Ética Pública marcada para o dia 24. Segundo a secretária-executiva da colegiado, Julia Castro, a intenção é aferir o padrão ético dos servidores e da sociedade e, com base nesses dados, propor ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva medidas para aprimorar o Código de Conduta da Alta Administração Federal.

Uma das perguntas do questionário refere-se aos cartões corporativos do governo. Na sociedade civil, 28,1% disseram que, se tivessem um cartão, fariam gastos pessoais. Entre os servidores, 11,5% disseram o mesmo e 30,2% se recusaram a responder à pergunta.

A pesquisa foi feita em duas etapas. Na primeira, de março a abril, foram ouvidas 2 mil pessoas da sociedade civil, em todos os Estados. Na segunda, foram ouvidos 1.027 funcionários públicos federais, estaduais e municipais em seis Estados (Rio, São Paulo, Paraná, Minas, Pará e Paraíba) e no Distrito Federal. O objetivo é repetir a pesquisa regularmente, para obter uma série histórica.