Título: Inspirados no ABC, sindicalistas de Volta Redonda testavam seus limites
Autor: Rodrigues, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2008, Nacional, p. A8
Volta Redonda
A liderança carismática do sindicalista Juarez Antunes e as eleições municipais de novembro de 1988 elevaram a temperatura do contexto que desencadeou os acontecimentos da histórica greve de Volta Redonda. Inspirados na experiência do ABC paulista, o movimento sindical da cidade testava seus limites. A defesa da correção das perdas do Plano Bresser (1987) nos salários corroídos pela inflação e o turno de seis horas garantido pela nova Constituição uniam os metalúrgicos em torno da ousadia de Juarez.
A massa de metalúrgicos seguia a oratória magnética do líder quase cegamente. Fundador do PT em Volta Redonda, Juarez se elegeu deputado constituinte em 1986 pelo PDT, mas sempre voltava à porta da usina para liderar as greves. Naquele ano, concorria à prefeitura. Foi eleito sob a comoção da tragédia, mas morreu num acidente obscuro três meses depois. Para alguns, esticou a greve por 17 dias para se beneficiar eleitoralmente. Para outros, arriscou a eleição já garantida para dar voz aos metalúrgicos.
"Quando a CSN começou a aceitar as reivindicações, que eram justas, perguntei a Juarez se não era a hora de acabar a greve. Ele me disse: ?A greve tem que acabar devagar", lembra Marino Clinger, prefeito de Volta Redonda na época. Correligionário de Juarez, ele hoje tem dúvidas sobre as motivações do líder. A eleição de Luiza Erundina para a Prefeitura de São Paulo também foi atribuída à comoção nacional pela tragédia.
O general da reserva Carlos Eduardo Jansen liderou, ainda como coronel, o grupo de 700 militares que executou a ordem de invasão do general Lopes da Silva. Para ele, os sindicalistas provocaram o confronto para influenciar nas eleições e ambicionavam impor uma derrota ao Exército, que ainda tutelava o governo de José Sarney.
"Foi uma ação de certos segmentos sindicais para aumentar a densidade eleitoral de determinadas agremiações políticas radicais, de esquerda", acredita o general. Ele sustenta que havia entre os operários agitadores que disseminavam táticas de guerrilha, mas seus soldados só tinham ordem de atirar para se defender. "Não pensei encontrá-los tão bem adestrados. A disciplina da minha tropa foi essencial. Naquele quadro, tinha tudo para evoluir para cinco Carandirus se alguém perdesse a cabeça."
Vanderlei Barcelos, um dos dirigentes do sindicato na época, diz que os soldados "atiravam em tudo o que se mexia". "Sabia que teria enfrentamento, mas não esperava que atirassem. Vi que haveria morte quando percebi que as balas no nosso ouvido eram de verdade. Morreu pouca gente."
Aos 85 anos, o bispo emérito de Volta Redonda, d. Waldyr Calheiros, vê nas alegações dos militares fantasias para justificar um massacre premeditado. Ele testemunhou a tensa reunião entre Juarez, o presidente da CSN, Juvenal Osório, o prefeito Clinger e Lopes Silva, em que o oficial não ouviu, apenas falou. "Ele disse que as mortes deveriam servir de exemplo", conta o bispo, para quem falta a condenação dos comandantes da invasão. "Também não perdoaria os que atiraram. Deveriam ter se negado a matar inocentes."
Foi nas mesas de negociação daquela greve que d. Waldyr ouviu pela primeira vez a discussão sobre a privatização da CSN, ocorrida em 1993. Desde então, a empresa reduziu dois terços dos postos de trabalho, levando Volta Redonda a uma crise. Com a desarticulação dos trabalhadores, a nova direção da CSN conseguiu a adesão do sindicato, que concordou com a revogação do turno de 6 horas, maior conquista de 88. Vinte anos depois, a empresa aceitou retomar o regime este ano, depois de uma tímida greve em 2007, a primeira em 17 anos. "Começamos tudo de novo", constata Bartolomeu Citeli, um dos grevistas históricos, que voltou ao sindicato.