Título: Lula acusa ricos pela desordem financeira
Autor: Otta,Lu Aiko
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/11/2008, Economia, p. B3

Presidente reclama que países agiram com irresponsabilidade

Lu Aiko Otta e Fernando Nakagawa

Diante de uma platéia de ministros de finanças e presidentes de bancos centrais das principais economias do mundo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusou ontem os países ricos de terem agido com "irresponsabilidade" ao permitir que o mercado financeiro operasse em "desordem", baseado numa "crença cega na capacidade de auto-regulação dos mercados". Com isso, teriam provocado a atual crise econômica, "o momento mais grave em décadas", e colocado em risco a prosperidade do restante do planeta.

Ele defendeu que os Estados devem reforçar a regulação sobre o mercado financeiro de forma coordenada, mas frisou que os emergentes e países em desenvolvimento devem participar dessa solução. "É amplamente reconhecido que o G-7 sozinho não tem mais condição de conduzir os assuntos econômicos do mundo", afirmou, durante a abertura da reunião do G-20, em São Paulo.

Como havia antecipado o Estado, Lula bateu forte na especulação financeira. "Por muitos anos especuladores tiveram lucros excessivos, investindo o dinheiro que não tinham em negócios mirabolantes. Todos estamos pagando por essa aventura. Esse sistema ruiu como um castelo de cartas e com ele veio abaixo a fé dogmática no princípio da não intervenção do Estado na economia."

PAPEL DO ESTADO

Criticado pela tendência ideológica de seu governo de formular políticas que reforçam o papel do Estado na economia, Lula tripudiou: "muitos dos que antes abominavam um maior papel do estado na economia passaram a pedir desesperadamente sua ajuda." Ele avaliou que os governos já agiram e "impediram o pior", mas que há ainda muito a fazer.

Em sintonia com as teses defendidas durante a reunião do G-20 pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, Lula sustentou que uma crise global requer soluções globais, e por isso os organismos econômicos multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, precisam ser reformados, de forma a desconcentrar o poder hoje em mãos dos países desenvolvidos.

Para Lula, essa reforma deve seguir seis princípios básicos. O primeiro é a representatividade e legitimidade, o que significa dar mais poder aos países emergentes e em desenvolvimento. O segundo é a necessidade de os países agirem coletivamente. O terceiro é melhorar a governança dos mercados domésticos.

O quarto princípio é o da responsabilidade. "As políticas de cada país não podem transferir riscos e custos a outros países", afirmou. O quinto ponto é fazer com que as instituições financeiras privadas aumentem a transparência de suas informações à sociedade.

O G-20, disse Lula, tem muito a contribuir com o sexto princípio: a prevenção para que a crise não se repita. Segundo Lula, o grupo é importante por sua composição, uma combinação de países desenvolvidos e economias emergentes.

CONTÁGIO

Lula chamou a atenção para o fato que a crise que nasceu nos EUA e Europa está contaminando mercados emergentes. Mesmo as nações que não erraram na política econômica "estão sendo contagiados pelos problemas originados nos países avançados." Esse contágio acontece porque há redução e encarecimento do crédito, saída de investidores para cobrir prejuízos em países ricos e a expectativa de queda nas exportações.

PRODUÇÃO

Lula se mostrou preocupado com os efeitos da crise na economia real. "Não podemos permitir que o pânico que se instalou em muitos lugares atinja os setores produtivos", afirmou. "Cabe aos líderes mundiais, com serenidade e responsabilidade, não nos deixarmos ser contaminados pelo medo."

Ele previu que a crise levará a uma redução do comércio internacional e alertou contra o risco do protecionismo. Lula defendeu o contrário: a conclusão da rodada de Doha porque a abertura comercial é "uma das melhores medidas contracíclicas".

FRASES

Luiz Inácio Lula da Silva Presidente do Brasil

"As políticas de cada país não podem transferir custos aos outros. Cada país deve assumir suas responsabilidades"

"As lições crise de 1929 devem servir de alerta para todos nós"