Título: Obama quer ficar longe do G-20
Autor: Sotero, Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/11/2008, Economia, p. B6

O presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, quer ficar longe da reunião de chefes de governo das 20 economias mais relevantes no próximo fim de semana, em Washington, segundo fontes de sua equipe de transição. Uma das razões da decisão foi citada pelo próprio Obama, na última sexta-feira, na primeira entrevista que concedeu desde seu histórico triunfo de 4 de novembro. "Os Estados Unidos têm apenas um presidente de cada vez", disse ele.

Outra é a precaução natural de Obama de não malbaratar o mandato que recebeu das urnas associando-se a um evento convocado às pressas para buscar respostas à pior crise financeira em mais de 70 anos, mas que tem todos os ingredientes para se transformar no fiasco final da administração do presidente George W. Bush. É improvável que Obama aceite um eventual convite de Bush para participar do encontro, durante a reunião que terão amanhã, na Casa Branca.

A expectativa não é muito diferente quanto ao resultado do encontro de ministros das finanças e presidentes de bancos centrais do mesmo grupo, que se reúne em São Paulo neste fim de semana. Marcado meses antes de Washington programar - sob pressão da crise - a cúpula econômica da próxima sexta-feira e sábado, a reunião dos ministros guarda importante semelhança com a dos presidentes e primeiros-ministros: nenhuma foi antecedida por um trabalho preparatório à altura do desafio à frente, cujos contornos já estavam evidentes antes mesmo de o colapso dos mercados jogar as economias avançadas na recessão.

Em novembro do ano passado, quando a África do Sul presidia o G-20 e o Brasil ocupava a vice-presidência , a ausência do ministro Guido Mantega na reunião anual do grupo, na Cidade do Cabo, foi tomada pela cúpula do Departamento do Tesouro americano e de outros governos como sinal de desinteresse.

Mesmo assim, o bastão foi passado. O Brasil assumiu a liderança do G-20, mas os problemas continuaram. À aparente inapetência de Mantega para reuniões internacionais, somaram-se os desentendimentos entre o então secretário de Assuntos Internacionais da Fazenda, Luiz Eduardo Melin, e o diretor-executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional, Paulo Nogueira Batista. O rompimento entre os dois altos funcionários da área internacional da Fazenda, que Paulo Nogueira Batista registrou em artigo na ?Folha de São Paulo? sugestivamente intitulado "Melindre", dificultou a tarefa de definir uma estratégia para a reunião e dedicar-se à sua execução.

Pouco antes do Natal, Mantega resolveu a briga nomeando seu então chefe de gabinete, o embaixador Marcos Bezerra Galvão, um experiente e respeitado diplomata, para conduzir o processo do G-20. A essa altura, porém, o País já havia perdido tempo precioso e, o que é pior, credibilidade, para preparar uma discussão substantiva.

Concebido durante a crise financeira asiática do fim dos anos 90 como um foro para dar voz aos países emergentes nas deliberações sobre as finanças internacionais, o G-20 nasceu como um espaço para troca, a portas fechadas, de opiniões e experiências . Não é lugar para fazer discursos. Por falta de crises, o grupo perdeu relevância em anos recentes.

Ressuscitado pela calamidade financeira provocada pela falta de um mecanismo de supervisão prudencial das economias mais ricas, o G-20 terá em Washington o que deverá ser a primeira de uma série de reuniões de cúpulas para mapear a reforma do sistema financeiro internacional concebido depois da Segunda Guerra Mundial.

Há acordo sobre a necessidade de tal reforma. O G-7 é obviamente uma instância limitada e pouco representativa. A distribuição de poder de voto no FMI e no Banco Mundial está longe de refletir a importância relativa das economias de seus membros. Mas não há entendimento sobre exatamente o que ou como reformar.

A moribunda Washington de Bush, por exemplo, já adiantou que não aceitará a criação de uma agência reguladora global do mercado financeiro, defendida pelo europeus. Todos gostariam de ver os chineses abrir os cofres e gastar parte do mais de US$ 1 trilhão de suas reservas para ajudar a recapitalizar o sistema. Todos querem que os chineses revalorizem sua moeda. Mas os europeus, que estão super-representados nas diretorias do Fundo e do Banco, não admitem perder espaço para a China. O mesmo ocorre com o Japão.

Os Estados Unidos estarão representados por um presidente impopular, desacreditado, no fim da linha, que acaba de ser repudiado nas urnas. "O máximo que a reunião em Washington pode produzir é a criação de um grupo de trabalho de alto nível para estudar alternativas de reforma do sistema financeiro", disse John Williamson, do Instituto Peterson de Economia Internacional. A eventual presença no encontro de um enviado de Barack Obama - como o ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers, que está bem cotado para voltar ao cargo - poderia, em teoria, tornar o evento mais útil e proveitoso.

Mas a assessoria do presidente eleito não incentiva esse tipo de especulação. Outros lembram que a reunião de 1944 em Bretton Woods, New Hampshire, que criou o FMI e o Banco Mundial, foi precedida de dois anos de preparação e teve John Maynard Keynes como chefe da delegação inglesa. "O melhor que se pode fazer sobre essa reunião é baixar as expectativas", aconselha Williamson.

*Paulo Sotero é diretor do Brazil Institute do Woodrow Wilson Center, de Washington