Título: Euforia das bolsas vira baixo-astral
Autor: Ribeiro, Marili
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/11/2008, Economia, p. B10

Fim de uma fase de prosperidade e altos ganhos termina em demissões, corte de mordomias e volta para casa

Marili Ribeiro e Patrícia Cançado

Nos últimos anos, algumas centenas de profissionais foram protagonistas de um ciclo inédito de prosperidade no capitalismo brasileiro. Estiveram por trás de 90 ofertas públicas iniciais de ações, os IPOs, e assessoraram ao menos 200 fusões e aquisições de empresas entre 2006 e 2007. Compraram e venderam ações num mercado de capitais que movimentou volume inédito de negócios. As remunerações foram igualmente históricas - em média, US$ 2 milhões por ano, entre salários e bônus. Em um curto espaço de tempo, os bancos de investimento criaram uma nova geração de milionários no Brasil.

A boa fase acabou e não deve melhorar tão cedo. Na semana passada, os dois maiores bancos de investimentos estrangeiros com atuação no País, os suíços UBS e Credit Suisse, anunciaram demissões globais em massa. A subsidiária brasileira não foi poupada. O UBS fez o corte mais agressivo. Foram 2 mil pessoas no mundo e cerca de 200 no Brasil, segundo ex-funcionários. O banco não divulga os números regionais. No Credit Suisse, o corte atingiu 500 pessoas, 40 delas no País. Na semana passada, o Goldman Sachs também começou a mandar para casa alguns de seus altos executivos.

"Quem não fez demissões ainda fará", prevê um diretor de uma dessas instituições. "Todos os bancos de investimentos serão obrigados a fazer ajustes porque a realidade hoje é completamente diferente."

O exemplo mais visível é o dos IPOs, que durante esse tempo foi a maior fonte de receita para esses bancos. Em 2008, boa parte da turma que fazia esse trabalho ficou de braços cruzados. Apenas quatro empresas se arriscaram a abrir o capital na bolsa até agora. O marasmo deve ser igual no próximo ano, apostam especialistas.

A reportagem ouviu vários profissionais do mercado. A maioria pediu para não ser identificada. Um dos argumentos para o anonimato é o respeito ao período de quarentena após o desligamento. Como se trata de um negócio extremamente competitivo, mais recentemente os bancos também passaram a exigir em contrato que seus profissionais não exponham o que ocorre atrás do balcão.

No Brasil, para evitar os holofotes, as demissões foram feitas sem alarde. Em alguns casos, em doses homeopáticas. O desemprego é a ponta mais visível do problema. Muitos desses profissionais perceberam que a crise se avizinhava quando cortaram o café expresso ou os vôos de primeira classe.

Desde julho, praticamente toda semana os funcionários do Goldman Sachs recebem mensagens do presidente mundial. Normalmente, tentando suavizar a crise. Mas, em algumas delas, ele prepara o espírito das equipes que agora têm de trabalhar com novos padrões. A partir deste mês, por exemplo, os funcionários que viajarem para Nova York serão obrigados a se hospedar no hotel do banco, que fica próximo à sede.

"O problema é que esse hotel é tipo Holiday Inn. Antes a gente podia ficar em qualquer hotel", conta um executivo do banco. "Os gastos com alimentação em viagem foram reduzidos em quase 50%. Depois da crise, o limite para café, almoço e jantar passou a ser de US$ 175. Até material descartável, como copos e talheres, foram reduzidos. Guardanapo ainda tem."

TEMPO LIVRE

Nos tempos de auge, esses profissionais ganharam fortunas à custa de muita noite insone e fins de semana longe da convivência familiar. O ambiente de trabalho darwiniano, onde domina a lei do mais forte, exige dedicação exclusiva. Agora sobra tempo e muitos não sabem nem o que fazer com ele. "Tenho amigos no mercado financeiro que estão tendo tempo para um chope no fim da tarde, o que era impensável", diz um advogado especializado em fusões e aquisições.

A dinâmica diária dos bancos de investimento praticamente parou. Segundo o diretor da Michael Page, Marcelo de Lucca, que comanda a área voltada aos altos executivos, esses profissionais chegam bem mais tarde, às vezes no fim da manhã, fazem sessões de ginástica prolongada na hora do almoço e voltam para casa mais cedo. "Não existe demanda para o trabalho que mais os ocupou nos últimos anos", diz de Lucca.

Os headhunters, que antes tentavam, sem muito sucesso, marcar encontros com essa turma, hoje são assediados. "Sempre tivemos demanda por esses profissionais superqualificados. Conversar com eles era uma guerra pela total falta de tempo deles. Agora, têm tempo a qualquer hora", diz a sócia-líder da consultoria KPMG, Patrícia Molino. "Temos sido procurados não só pelos que estão perdendo postos, como também pelos que ficaram. Eles acreditam que, com o marasmo atual dos negócios, seus empregos estarão ameaçados", completa de Lucca.

Se de um lado há profissionais que estão aproveitando esse momento para fazer um período sabático, já que os ganhos do passado recente permitem, de outro há aqueles que sofrem com a instabilidade.

Um diretor de um desses bancos tem enfrentado momentos depressivos. Segundo relatos de sua mulher, ele chega em casa e não troca palavras com ninguém da família. Segue direto para a ampla varanda do apartamento na Vila Nova Conceição, bairro nobre da zona sul de São Paulo, e ali passa horas a fio sentado numa poltrona, olhando para o infinito enquanto emenda um cigarro no outro. Nas últimas semanas, a última frase que disse para a mulher foi: "Não quero mais saber de gastos nos cartões de crédito."

O reflexo desse baixo-astral foi sentido até nos restaurantes próximos à Avenida Faria Lima, em São Paulo, onde se concentram as corretoras, os fundos e os bancos de investimento. "Muitos desses caras não estão deixando de ir comer fora de casa porque estão mais pobres, mas sim porque estão deprimidos. Ultimamente, procuro acalmar os amigos. Alguns que me ligam dez vezes por dia", diz um sócio de uma butique de fusões e aquisições.

Embora continue no mercado financeiro, o empresário diz que está na guerra, mas longe da trincheira. Ele conhece bem a situação porque viveu o drama na crise da Ásia, em 1997, quando era executivo de uma corretora de valores. "Naquela época, perdi 70% do meu dinheiro. Champanhe virou prosecco e milhas não viravam mais upgrade, mas sim viagens."

Os cortes vistos até aqui são reflexo direto da redução das captações no mercado de capitais. Mas há perdas a serem computadas, sobretudo na atividade de corretagem. Esses bancos também ganham dinheiro comprando, vendendo e recomendando ações para seus clientes, geralmente gestoras independentes de recursos.

"É uma atividade de margens apertadas, onde as comissões só ficam atraentes com grandes volumes", acredita um diretor de banco. "Se é um negócio de volume e esses fundos foram para o vinagre, a corretagem não vai ser sustentável no curto prazo." Na quarta-feira, a Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid) divulgou que o patrimônio das maiores butiques do gênero, como Mauá, Quest, Gap e Fama Investimentos caiu em até 80% em 12 meses.

RESILIÊNCIA

Para Daniel Goldberg, diretor do Morgan Stanley, responsável pela área de fusões e aquisições no Brasil, a crise será um bom teste de resiliência para os bancos de investimento no longo prazo.

"Por enquanto, o Morgan Stanley não fará nenhuma demissão. A cúpula está muito otimista em relação ao Brasil no longo prazo", afirma Goldberg. "Os bancos do futuro não vão viver só de assessoria e corretagem. Não consigo imaginar um mundo sem mercado de capitais e sem os ?fazedores de mercado?, que fazem as ações ter valor", acredita Goldberg.