Título: A ameaça dos gafanhotos
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2008, Notas & Informações, p. A3

O dinheirão destinado às ações anticrise pode converter-se em banquete para nuvens de gafanhotos famintos, se os governos, incluído o brasileiro, não tomarem cuidado com os programas de auxílio. Já houve comilança nos Estados Unidos, onde os primeiros US$ 350 bilhões liberados para o socorro ao setor financeiro - metade do programa aprovado pelo Congresso - já quase desapareceram, disputados por uma enorme fila de candidatos à ajuda - nem todos do setor financeiro. Isso explica, em boa parte, a decisão do secretário do Tesouro, Henry Paulson, de renunciar à compra de ativos podres para usar o dinheiro restante com maior eficiência, preferivelmente na capitalização de bancos e outras empresas. Provavelmente nem assim ele ficará livre do assédio de lobbies e grupos empresariais de todo tipo. No Brasil, já começou a arremetida dos gafanhotos. Uma das mais notórias teve como conseqüência uma alteração na Medida Provisória (MP) 443, com a criação de uma linha de crédito de R$ 3 bilhões, financiada pelo Tesouro, para construtoras contratadas para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Essa MP autoriza o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal a comprar instituições financeiras e - no caso da Caixa - a investir noutros setores, incluído o imobiliário.

Aquelas construtoras estão recebendo em dia, disse o líder do PSDB, deputado José Aníbal, citando o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado.

Esse dinheiro será arranjado com a emissão de títulos, isto é, com a ampliação da dívida pública. Incluir despesas no projeto de conversão de uma MP não é, evidentemente, a maneira correta de se afastar o risco de recessão. O Orçamento da União já está sobrecarregado e o governo, para usar o dinheiro com eficiência, deve definir claramente os alvos de sua política.

O Banco Central (BC) tem concentrado suas ações em alguns objetivos claros, criando facilidades para a compra de carteiras pelos bancos maiores, liberando depósitos compulsórios para ampliação do crédito e oferecendo dólares para o financiamento à exportação. Há sinais de melhora do crédito, segundo o presidente do BC, Henrique Meirelles, mas empresários continuam reclamando da falta de empréstimos. Os Adiantamentos de Contrato de Câmbio (ACCs) permanecem bem abaixo dos níveis observados em setembro e outubro. Os bancos, argumenta-se, precisam de tempo para normalizar as operações - mas um pouco de pressão talvez ajude a reativar os financiamentos.

A abertura de uma linha especial do Banco do Brasil para facilitar as vendas de veículos - por meio dos bancos das montadoras - parece mais difícil de justificar, especialmente por não se haver exigido nenhuma contrapartida. Seria necessária, de fato, essa ajuda? O governo paulista se apressou, também, a socorrer as montadoras, por meio da Nossa Caixa, com um montante, R$ 4 bilhões, igual ao oferecido pelo BB. A justificativa pode não ser fácil, mas a visibilidade do setor automobilístico e o poder de pressão de suas empresas e dos sindicatos a elas vinculados são fatos bem conhecidos.

Quantos outros setores influentes conseguirão ajuda especial do governo, por meio do Congresso ou diretamente concedida pelo Executivo? É bom tomar como um alerta a emenda de R$ 3 bilhões ao texto da MP 443. Outros setores podem estar prestes a agir para obter benefícios semelhantes.

O governo deveria, no entanto, dar atenção especial a alguns objetivos de grande importância estratégica: a agricultura, nesta fase de plantio da safra 2008-2009, a exportação, essencial para a solidez das contas externas (neste momento em deterioração), e a liquidez no mercado financeiro.

Nos Estados Unidos, a fila dos candidatos a benefícios do Tesouro incluiu, nas últimas semanas, pretendentes tão variados quanto a Associação Nacional dos Distribuidores de Automóveis, a Associação Nacional dos Fabricantes de Barcos, lobbies diversos do setor financeiro e um grupo hispânico de encanadores e especialistas em aquecimento doméstico. O governo, segundo representantes desse grupo, talvez tenha de se apropriar de imóveis vinculados a hipotecas não pagas. Por que não contratar aqueles prestadores de serviços para cuidar dessas casas? Convém desestimular, desde já, a formação de uma fila desse tipo no Brasil.