Título: Erros sucessivos de Anac, governo, empresas e pilotos causaram tragédia
Autor: Tavares, Bruno; Dacauaziliquá, José
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2008, Metrópole, p. C1

Após 16 meses de investigação, o Instituto de Criminalística (IC) de São Paulo finalizou nesta semana o laudo sobre o acidente com o Airbus A320 da TAM. O primeiro parecer técnico e oficial sobre a tragédia que deixou 199 mortos em 17 de julho do ano passado deve ser entregue na segunda-feira à Polícia Civil, que apontará os responsáveis pelo desastre e dará o inquérito por encerrado, remetendo-o ao Ministério Público Estadual (MPE).

As conclusões descritas ao longo de quase 700 folhas e 2.500 páginas de anexos focam nas falhas administrativas cometidas principalmente pela cúpula e por altos funcionários da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), além de identificar erros por parte da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), da TAM, dos pilotos do avião e até da fabricante do jato.

Os envolvidos deverão ser enquadrados no crime de atentado contra a segurança de transporte aéreo (artigo 261 do Código Penal). Por causa das mortes, a pena é equiparada à do homicídio culposo - de 1 a 3 anos de detenção. A punição pode ainda ser acrescida em até dois terços da pena-base, uma vez que, numa mesma ação, houve mais de uma vítima.

O laudo produzido pelo Núcleo de Engenharia do IC utiliza o modelo do ¿queijo suíço¿, desenvolvido nos anos 90 pelo psicólogo britânico James Reason, para explicar as diversas falhas que culminaram no maior acidente da aviação brasileira. A primeira ¿fatia¿ corresponde à Anac, encarregada de legislar sobre o setor aéreo. Caberia à direção da agência, segundo fontes ouvidas pelo Estado, editar uma norma que vetasse o pouso de aeronaves no Aeroporto de Congonhas quando as condições técnicas e meteorológicas fossem adversas. No dia da tragédia, a pista estava molhada e escorregadia e o avião da TAM tinha um dos reversos (freio aerodinâmico) travado.

A Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) foi a segunda barreira transposta. Além de liberar o aeroporto para operar sem grooving (ranhuras que ajudam no escoamento da água), técnicos da estatal deixaram de seguir normas internacionais de gerenciamento da pista. A Airbus, por sua vez, classificou apenas como ¿desejável¿ - e não ¿mandatória¿ - a instalação de um alarme sonoro que auxiliaria os pilotos de A320 a corrigirem eventuais equívocos no manuseio das manetes (aceleradores do avião). Conclusão: em nenhum momento, os computadores advertiram os pilotos para o risco de acidente.

Para a polícia, a TAM ainda assumiu riscos ao enviar o avião para um aeroporto com problemas. E o treinamento fornecido também se mostrou ineficiente, uma vez que o procedimento seguido pelos comandantes Kleiber Lima e Henrique Stefanini di Sacco não foi o recomendado. Sob a ótica do laudo, os dois foram vítimas de um sistema administrativo falho - e não os únicos responsáveis pelo desastre.