Título: Aids - a força dos números
Autor: Franco, Carlos Alberto Di
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2008, Espaço Aberto, p. A2

Enquanto o número de novos casos de aids caiu entre pessoas de menor escolaridade, nos últimos dez anos, a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, o HIV, avançou na população mais escolarizada de São Paulo. Um levantamento da Secretaria de Saúde do Estado comprova o crescimento do que pode parecer um contra-senso. Nem mesmo o acesso a informações sobre prevenção foi capaz de proteger os paulistas com mais anos de estudos.

Em 1997, quando 3.371 mulheres se contaminaram no Estado, 12,2% das paulistas que contraíram a doença tinham entre 8 e 11 anos de estudo. No ano passado, esse índice mais que dobrou e chegou a 25,4% dos casos. No mesmo período, a contaminação de mulheres que freqüentaram a escola por, no máximo, três anos caiu de 33,2% para 7,5% do total de casos em 2007. ¿Nos últimos anos, temos assistido ao aumento de casos nessa população (de maior escolaridade)¿, afirma o infectologista Jean Gorinchteyn, do Ambulatório do Idoso do Hospital Estadual Emílio Ribas.

Entre os homens o fenômeno se repete. Aqueles com 8 a 11 anos de estudo representaram 26,8% do total de casos no ano passado, ante 15,3% em 1997. Para os paulistas com, no máximo, três anos de freqüência escolar, esse índice caiu de 28% para 5,3% no mesmo intervalo.

Entre 1997 e 2007, o total de diagnósticos de aids no Estado de São Paulo caiu de 10.496 para 4.797 novos casos. Outro dado do levantamento da Secretaria de Saúde, no entanto, reforça a tendência de crescimento da aids na população de maior escolaridade. Entre 1997 e 2007, para aqueles que têm mais de 12 anos de estudo também houve aumento da incidência de contaminação por HIV, que passou de 3,5% para 4,3% no caso das mulheres e de 6,9% para 8% no caso dos homens.

As informações, aparentemente surpreendentes, constam de excelente matéria de Emílio Sant¿Anna, repórter da editoria Vida & do jornal O Estado de S. Paulo. O novo mapa da aids, sem dúvida preocupante, pode levar, mais uma vez, aos diagnósticos superficiais e, por isso, míopes: focar a questão apenas nas campanhas em favor do chamado ¿sexo seguro¿.

A camisinha será a panacéia para conter a epidemia. Continuaremos padecendo da síndrome do avestruz. Bateremos nos efeitos, mas fugiremos das verdadeiras causas: a hipersexualização da sociedade.

Há alguns anos, nos Estados Unidos, o Institute for Research and Evaluation lançava uma advertência certeira, embora politicamente incorreta. ¿É um erro acreditar que com mais preservativos se evitem os comportamentos perigosos¿, declarava o porta-voz da entidade. Pesquisas revelavam, então, que adolescentes bem informados continuavam tendo condutas sexuais de alto risco. A informação, despida de orientação comportamental, acaba sendo contraproducente.

Na verdade, caro leitor, as campanhas de educação sexual, na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil, não dão a resposta adequada ao verdadeiro problema: a influência comportamental do gigantesco negócio do sexo, que, impunemente, acaba determinando a agenda do mundo do show business.

A culpa não é só do mundo do entretenimento. É de todos nós - governantes, formadores de opinião e pais de família -, que, num exercício de anticidadania, aceitamos que o País seja definido mundo afora como o paraíso do sexo fácil, barato, descartável. É triste, para não dizer trágico, ver o Brasil ser citado como um oásis excitante para os turistas que querem satisfazer suas taras e fantasias sexuais com crianças e adolescentes.

O combate à pedofilia e à prostituição infantil, que, acertadamente, ocupa a agenda do Congresso Nacional, é inócuo se não for acompanhado de um sério empenho de mudança comportamental.

O governo, assustado com o crescimento da gravidez precoce e com o crescente descaso dos usuários da camisinha, pretende investir, mais uma vez, nas campanhas em defesa do preservativo. Não basta. Afinal, milhões de reais já foram gastos num inglório combate aos efeitos. O resultado está, mais uma vez, gritando nos números da Secretaria de Saúde mencionados na reportagem citada. A raiz do problema, independentemente da irritação que eu possa despertar em alguns, está na onda de baixaria e vulgaridade que tomou conta do ambiente nacional. Como já escrevi neste espaço opinativo, hoje, diariamente, na televisão, nos outdoors, nas mensagens publicitárias, o sexo foi guindado à condição de produto de primeira necessidade. É ridículo levar um gordo a um banquete e depois, insensatamente, querer que evite a gula.

As campanhas de prevenção da aids batem de frente com inúmeras novelas e programas de auditório que fazem da exaltação do sexo bizarro uma alavanca de audiência. A programação infantil, por exemplo, outrora orientada por padrões éticos e educativos, passou a receber forte carga de violência e sexo.

A iniciação sexual precoce, o abuso sexual e a prostituição infantil são, de fato, o resultado da cultura da promiscuidade que está aí. Pouco se fala do Brasil no exterior. E quando se fala, infelizmente, o noticiário se reduz às ações do crime organizado, aos escândalos envolvendo políticos e governantes, às queimadas na Amazônia e à miséria da nossa periferia. Limitam-se nossa cultura e nossa arte ao rebolado. É uma pena. O Brasil é, sem dúvida, muito mais que o país do gingado e do carnaval.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com) E-mail: difranco@iics.org.br