Título: O G-20 e o desafio imediato
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/11/2008, Notas e Informações, p. A3

A primeira reunião de chefes de governo do Grupo dos 20 (G-20), em Washington, foi mais produtiva do que se esperava, mas o principal desafio deste momento não é reformar o sistema financeiro internacional e, sim, atenuar e abreviar a crise. O noticiário realçou principalmente os compromissos de longo prazo assumidos no encontro e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mostrando grande entusiasmo, chegou quase a fazer o obituário do Grupo dos 8 (G-8), formado pelas 7 maiores economias capitalistas e pela Rússia. Esse entusiasmo é, sem dúvida, precipitado, pois, em primeiro lugar, o presidente deveria olhar com maior atenção os sinais de rápido agravamento do quadro não só no exterior, mas também, e principalmente, no Brasil.

Alemanha, Itália, Reino Unido e Japão já entraram em recessão oficialmente, e nos Estados Unidos, segundo vários analistas, só falta o reconhecimento do fato pelo governo. Outras grandes economias capitalistas, como França e Holanda, chegaram muito perto do crescimento zero no terceiro trimestre e até a China, embora ainda exibindo crescimento muito alto, perdeu impulso nos últimos meses. No Brasil, ninguém mais pode ter a ilusão de ver o País atravessar a crise global no embalo de pequenas marolas.

A economia brasileira está mais forte do que em outras fases de turbulência internacional, mas já sofre efeitos da crise bem mais cedo e bem mais fortes do que se esperava no início do agravamento da crise lá fora. O risco de crescimento zero ou próximo disso no trimestre final do ano já foi apontado por vários analistas de conjuntura, citados em reportagem do Estado nesse domingo.

O enfraquecimento da economia mundial já se reflete nas exportações brasileiras, não só pela escassez de financiamento para os exportadores, mas também pela redução da demanda em mercados importantes.

Como resposta a esses problemas imediatos o G-20 anunciou alguns compromissos e formulou umas poucas orientações importantes. Recomendou ¿quaisquer ações necessárias¿ para estabilizar o sistema financeiro, novos cortes de juros e novos incentivos fiscais à atividade econômica, além de apoio aos países em desenvolvimento. Já não há muito juro para cortar em alguns países. Assim, o estímulo à atividade econômica dependerá principalmente da ação dos Tesouros nacionais. Quanto mais coordenada, mais eficiente.

Os governos da Alemanha, da Inglaterra e da Itália anunciaram novas intervenções, nos próximos dias, para incentivar o consumo e até para socorrer empresas. Nessa área, trata-se de manter e de aprofundar políticas já adotadas. Para efeito rápido os governantes do G-20 comprometeram-se também a fornecer mais dinheiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI), se necessário, para os programas de apoio aos países mais afetados pela crise.

A maior novidade, entre as decisões de aplicação imediata, foi o compromisso de não entravar o comércio internacional nos próximos 12 meses. Os chefes de governo prometeram não ampliar as barreiras protecionistas, não proibir exportações (como fizeram neste ano a Argentina e a Índia, por exemplo) e não adotar incentivos à exportação incompatíveis com as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). Se esse compromisso for cumprido, será evitada uma das mais temíveis conseqüências da recessão, o aumento do protecionismo. Se o governo brasileiro quiser ser fiel a essa orientação, terá de convencer seus parceiros do Mercosul, a começar pela Argentina, da importância de não impor novas travas ao comércio nesta fase.

A idéia de concluir até o fim do ano os acertos básicos da Rodada Doha de negociações comerciais dificilmente sairá do papel.

A maior parte dos acordos de princípio anunciados pelo G-20 refere-se a compromissos de reforma do sistema financeiro, com a criação de mecanismos mais eficientes de regulação e de supervisão, para tornar menos perigoso o mundo das finanças e para diminuir o risco de novas crises semelhantes à atual. Várias boas idéias foram apresentadas e, diante dos estragos causados pelo estouro da bolha hipotecária, talvez os governos sejam estimulados a promover mudanças importantes. Isso se verá mais tarde. Também falta conferir se o G-20, passada a emergência, se consolidará como foro de grandes negociações sobre a economia global. Por enquanto, a retórica é mais promissora do que a experiência.