Título: Um concurso do Ipea
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2008, Espaço Aberto, p. A2

De passagem pela USP, vi postado um anúncio de concurso para 80 vagas de nível superior no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério Extraordinário de Assuntos Estratégicos. O anúncio fala do ¿maior concurso da história da instituição¿. Na verdade, são vários concursos, e me concentrarei no maior e mais importante deles, para 62 vagas de técnico de planejamento e pesquisa, com salário inicial mensal de R$ 10.905,76, para trabalhar em várias áreas, como economia, relações internacionais, infra-estrutura e logística de base, proteção social e sustentabilidade ambiental, entre outras. O concurso é aberto a qualquer profissional com diploma de curso superior. Um bom aspecto, pois não cabia a reserva de mercado para uma ou outra profissão.

Entretanto, esse maior concurso apresenta também grandes problemas. Para que tanta gente, quase um novo instituto, e com esse salário? É bem superior aos pagos em início de carreiras semelhantes no mercado de trabalho em geral, sem contar as vantagens da estabilidade e de uma aposentadoria maior. Isso vem da inflação salarial arquitetada em Brasília para cargos iniciais de várias carreiras, o que, mais a forte ampliação dos quadros, como espelhada nesse concurso, se inscreverá, para os próximos governos, no rol da herança maldita do atual.

Por menos da metade desse valor seria possível contratar pesquisas na comunidade acadêmica, tão carente de recursos para essa finalidade. Nessa linha, o Ipea teria feito melhor se revivesse seu antigo Programa Nacional de Pesquisa Econômica, que alocava recursos a pesquisadores da comunidade acadêmica. Internacionalmente, há bons exemplos de instituições que recorrem a essa forma de contratação, como o National Bureau of Economic Research, dos EUA, e a Rede de Centros, esta de instituições de pesquisa à qual recorre o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Em particular, evitar-se-ia que o Ipea ficasse com um corpo funcional inflado, caro e com risco de depreciação intelectual precoce, outra razão sendo que os contratados o serão para áreas específicas que poderão não receber o mesmo interesse em futuras administrações. Dada a inevitabilidade do concurso, melhor teria sido contratar apenas pelos conhecimentos básicos de Economia e de outras disciplinas e, depois, treinar essas pessoas para as necessidades específicas do Ipea.

Para conhecer detalhes consultei o edital do concurso (www.cespe.unb.br/concursos/ipea2008), um calhamaço de 51 páginas. Aí, vi que, além de provas objetivas, de caráter eliminatório e classificatório, há uma prova discursiva, também com esse duplo caráter, e uma prova oral, só classificatória. O problema destas duas últimas é que oferecem o risco de avaliações subjetivas.

Consultei uma organização especializada em preparar candidatos para concursos públicos, o Curso Formação, dirigido pelo economista Marco Antonio Carboni, e soube que provas como essas duas são raríssimas no Poder Executivo. Na minha visão, mais se parecem com provas de concursos para professores universitários.

Qual, então, o problema? Está no fato de que nas universidades várias cautelas são tomadas para evitar julgamentos subjetivos, como as bancas com cinco professores, alguns dos quais pertencentes a quadros de outros departamentos e mesmo de outras universidades. As provas são também públicas , com o que a argüição de um candidato poderá ser presenciada pelos demais, entre outros interessados.

O edital nada diz sobre esses aspectos. Diz apenas que o concurso será executado pelo Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UnB). Mas que critérios orientarão a escolha da banca examinadora ou de examinadores individualizados? Haveria a influência do próprio Ipea?

E por que chamo essa questão de importantíssima e fundamental? Além dos aspectos éticos que não precisam estar no papel, vale lembrar o artigo 37 da Constituição federal, que no seu caput diz que a ¿administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...¿ Aliás, foi esse artigo que serviu de base à recente súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal que definiu e coibiu o nepotismo no setor público.

É preciso, assim, garantir esses princípios na realização do concurso do Ipea, em particular os da impessoalidade no julgamento e publicidade do processo. O concurso está em andamento e soube que as provas objetivas e a dissertativa já foram realizadas no domingo. Nada impede que o Ipea divulgue - e espero que esteja cogitando disso - as questões e o gabarito das provas objetivas, os temas escolhidos para as provas dissertativas, as bancas examinadoras das provas e determine, no caso da prova oral, ainda por vir, sua realização de forma pública. E, ainda, divulgue a relação final dos aprovados segundo as escolas em que concluíram seus cursos de graduação e seus programas de pós-graduação.

Com isso tornaria todo o processo do concurso muito mais transparente a todos os que quisessem examiná-lo, em particular aos candidatos e aqueles que se interessam e se preocupam pelo que se passa nessa importante instituição de pesquisa do País.

Recorde-se que, sob a administração que assumiu no ano passado, o Ipea tem sido pródigo em más notícias, como o desligamento de pesquisadores de renome e o menosprezo pelas análises de curto prazo. A crise econômica em curso, forte no seu impacto imediato, evidencia o equívoco desse direcionamento analítico.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e presidente do Ipea (1991-1992)