Título: Como está, fica
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2008, Notas e Informações, p. A3
O presidente Lula resolveu manter a Esplanada dos Ministérios imune aos resultados do recente ciclo eleitoral: quem está ministro, anunciou, continuará até o fim do governo, salvo aqueles que pretendem se candidatar a cargos eletivos em outubro de 2010 e, pela lei, serão obrigados a entregar as suas Pastas até seis meses antes. Quem está fora, portanto, não entra. Com isso, cai por terra o plano de um rearranjo do Ministério pelo qual o PMDB, que desfila pelo Planalto os seus ganhos nas urnas municipais, estenderia as suas posses ao Ministério da Justiça, onde o petista Tarso Genro cederia o lugar ao colega da Defesa, o peemedebista Nelson Jobim, que por sua vez seria substituído pelo deputado Aldo Rebelo, do PC do B. (Um interessado no arranjo era o senador José Sarney. A Polícia Federal, subordinada à Pasta, apura ¿movimentações financeiras atípicas¿ do empresário Fernando Sarney, filho do cacique.)
A decisão presidencial é má notícia também para alguns dos prefeitos cujos mandatos terminam agora e que esperavam federalizar as suas carreiras. É o caso dos petistas Fernando Pimentel, de Belo Horizonte, e João Paulo, do Recife. Ambos fizeram os seus sucessores e contavam com uma promoção a fim de se aprovisionar para o próximo pleito. Tampouco haverá prêmio, nesse caso de consolação, para Marta Suplicy, a candidata de Lula derrotada em São Paulo, a quem conviria regressar à Esplanada (ela foi ministra do Turismo). Quaisquer que sejam as suas ambições para 2010, ela terá de cultivá-las sem as benesses de uma chapa-branca.
Mantida a equipe de governo pelos próximos 17 meses - se nenhum imprevisto tirar dos trilhos a intenção anunciada -, o presidente terá assegurado a estabilidade administrativa para a travessia do período crucial que lhe resta no Planalto, durante o qual terá de ¿não deixar o País entrar mais profundamente nessa crise¿, como disse, e ao mesmo tempo avançar na construção política da candidatura Dilma Rousseff à própria sucessão. É bem verdade que a administração da crise pouco seria afetada por mudanças tópicas no Gabinete. Nada mudaria na Fazenda, no Planejamento e no Banco Central. Ainda assim, Lula há de ter concluído, quanto menos marolinha, melhor.
Já está de bom tamanho a disputa entre o PT e o PMDB pela presidência do Senado (na Câmara, o PT se comprometeu de papel passado a apoiar o peemedebista Michel Temer, retribuindo o apoio da sigla aliada à eleição do atual titular, Arlindo Chinaglia). Lula gostaria de ver o companheiro Tião Viana no comando do Senado, mas não fará disso um cavalo de batalha. Afinal, alegou, ¿os políticos são eles, e eu sou apenas o presidente da República¿. Lula anunciou a política do ¿como está, fica¿ no mesmo fôlego com que garantiu a permanência de José Gomes Temporão na Saúde. ¿É meu ministro¿, bateu o martelo, sem se dar conta, talvez, do duplo sentido da resposta. (Temporão foi uma escolha pessoal do presidente, disfarçada de indicação do governador peemedebista do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.)
A bancada federal do partido - mas não a sua direção nacional - se voltou contra Temporão depois que, na semana passada, ele acusou a Funasa, aparelhada pelo PMDB, de prestar serviço de ¿baixa qualidade¿ e de ser um foco de corrupção. Danilo Forte, presidente da Funasa, órgão responsável pelo atendimento às populações indígenas, é apadrinhado do afamado senador alagoano Renan Calheiros. Proporcionalmente, o governo destina à saúde indígena quase o quádruplo do que gasta com os programas de saúde em geral. Mas a mortalidade infantil entre os indígenas (até os 5 anos) é seis vezes maior do que a média no País. E a Funasa, só no ano passado, foi objeto de 157 auditorias e 83 sindicâncias externas.
Na briga política, todos se salvaram. Forte não será demitido, mas a Funasa será esvaziada, com a criação de uma Secretaria que absorverá as suas principais atribuições. Temporão e o antes indignado líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves, fumaram o ¿cachimbo da paz¿, no dizer do deputado. O interesse público, naturalmente, pagará a conta: em mais de um ano no cargo, o ministro da Saúde nada fez contra a corrupção que agora ele denuncia num dos órgãos mais importantes de sua Pasta - e fica por isso mesmo.