Título: Áudio de reunião expõe contradições de Protógenes
Autor: Nogueira,Rui e Mendes,Vannildo
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2008, Nacional, p. A6

Cúpula da PF vê delegado como suspeito de vazamento, indica gravação

Rui Nogueira e Vannildo Mendes

A íntegra da gravação da reunião de três horas, no dia 14 de julho, em São Paulo, entre os responsáveis pela Operação Satiagraha revela que o delegado Protógenes Queiroz foi pego em flagrante contradição e é visto pelo comando da Polícia Federal como principal ¿supeito¿ pelo vazamento de informações da investigação. ¿Queiroz, vou te falar com bastante franqueza: no vazamento, você está como suspeito de vazar para a Rede Globo¿, disse, ao final da reunião, o delegado Roberto Troncon, chefe da Diretoria de Combate ao Crime Organizado (Dcor).

Protógenes não conseguiu explicar por que a imprensa só apareceu nos locais da prisão do ex-prefeito Celso Pitta e do investidor Naji Nahas, justamente as duas únicas prisões que ele fez questão de anunciar na reunião do planejamento operacional, com duas centenas de policiais, na madrugada do dia 8 de julho, quando os mandados de busca e apreensão e de prisão foram executados . Troncon lembrou que o delegado já tem outro precedente em uma operação sob seu comando - a prisão do ex-prefeito Paulo Maluf, em setembro de 2005, filmada pela mesma emissora.

Troncon perguntou explicitamente por que Protógenes escondeu todas as informações dos superiores e por que não quis aparecer na Superintendência para o planejamento operacional, dizendo que sua presença em São Paulo não poderia ser detectada. Apontou também contradição no fato de o delegado revelar os nomes de Pitta e Nahas para a platéia de policiais após ter dito que se tratava de uma ¿operação de inteligência, e não de investigação¿, justificando com isso o sigilo total dos detalhes. O Estado apurou que a investigação da corregedoria tem indícios de que o delegado ¿fez esse teatro¿ para ¿diluir pela platéia um vazamento que estava feito¿. O delegado não foi localizado pela reportagem para comentar as suspeitas da PF.

Quando Troncon questiona Protógenes sobre a ¿coincidência¿ da presença da imprensa ¿justamente nos dois locais¿ citados no briefing aos policiais, o delegado não responde à pergunta e atribui as suspeitas e as críticas à ¿mídia bandida¿ e à ¿imprensa sem vergonha¿, que ele diz ter sido comprada pelo ¿grupo¿ (de Daniel Dantas).

O delegado Carlos Pellegrini também defendeu que se desse ¿um desconto¿ para o que a imprensa escreve. E justificou, na reunião: na apreensão de documentos, no escritório do banqueiro Daniel Dantas, ele pegou uma lista de distribuição de R$ 18 milhões em propinas para ¿juízes, políticos e jornalistas¿. Disse que, por ser ¿extremamente estrategista¿, Dantas anotava tudo - como nos documentos encontrados em uma ¿sacolinha azul¿ - e tinha uma relação de ações para cuidar das provas na PF e no Judiciário. Para os jornalistas, disse Pellegrini, estava anotado que a meta era ¿contratar o Mangabeira para chegar aos meios de comunicação¿. A assessoria do ministro Mangabeira Unger (Relações Estratégicas) disse que ele estava ontem viajando de volta ao Brasil, vindo de Israel, e que não tinha como comentar o assunto.

NOVA POLÍCIA

A reunião da PF, em São Paulo, explicitamente convocada para ¿administrar danos¿ provocados pelos vazamentos e pelo comportamento ¿completamente fora do padrão¿ de Protógenes, foi toda permeada por um embate em que a nova direção da PF tenta convencer o delegado de que a polícia está mudando, ganhado mais liberdade e, por isso, não pode colocar em risco investigações que ajudem a abrir a porta para a volta do controle político da instituição.

Troncon diz que o delegado se comporta como se fosse o ¿último bastião da Justiça¿ e herói do combate à corrupção ¿no alto escalão dos três Poderes¿. Protógenes diz que ¿poucos têm a coragem de enfrentar o que (ele) está encarando¿ e não concorda com a abertura de Processo Disciplinar (PD) para investigar o seu comportamento. Desafia ¿a nova administração¿ a fazer como o Judiciário e o Ministério Público, que não abrem PDs para os juízes e os procuradores, não ficando ¿reféns da imprensa¿.

Troncon rebate Protógenes com a crítica de que ele alimenta ¿teorias conspiratórias¿ e, por isso, espalhou o ¿vírus da desconfiança¿ entre as equipes da PF. O delegado se disse ¿um policial no limite da capacidade de confiar¿.

Instado, ao longo do fim de semana que antecedeu a operação, a fornecer a lista das prisões e dos meios necessários para deflagrar a operação, Protógenes se esquivou do pedido e obrigou o comando da PF, em São Paulo, a lhe pedir a decisão do juiz Fausto De Sanctis, onde estava a descrição dos mandados a executar. O delegado não entregou a decisão e, na reunião, disse que não era ¿Judas¿, sinalizando que tinha um pacto com o juiz para não liberar a informação. Como presidente do inquérito, ele não é mesmo obrigado a entregar o documento judicial aos superiores.

O chefe do Dcor critica a falta de objetividade no relatório da Operação Satiagraha, ¿cheio de adjetivos¿, o que comprometeria o trabalho. Troncon diz que o País está entrando numa fase em que ¿até banqueiro vai para a cadeia, um marco histórico¿, e que a PF não pode viver uma ¿discussão intestina¿. Os inquéritos têm de ser feitos com ¿boa técnica¿, pede.

A Operação Satiagraha investigou indícios de lavagem de dinheiro e outros crimes, como evasão de divisas e formação de quadrilha, além da tentativa de suborno de um delegado da PF. Com autorização judicial, a Satiagraha prendeu 17 pessoas, entre elas o banqueiro Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity. Dois habeas corpus concedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) mantêm Dantas em liberdade.

TRECHOS DA GRAVAÇÃO

PRISÕES E IMPRENSA NA PORTA DE PITTA

Protógenes recebera ordens para cumprir o manual das operações e ficar na Superintendência da PF, enquanto delegados e agentes executavam as prisões e faziam as buscas e apreensões da Operação Satiagraha. O presidente do inquérito (Protógenes) coordena esse trabalho para resolver problemas emergenciais e o andamento geral da operação. Na reunião, o delegado confessa que descumpriu a ordem e explica o motivo:

Protógenes: ¿(Estávamos) com dificuldade para chegar na travessa (que dá acesso à casa de Celso Pitta). No meu íntimo, eu queria fazer qualquer prisão (...) Eu ia executar (prisões), confesso.

Chamado de volta à Superintendência, pelo celular, pelo delegado Paulo de Tarso Teixeira (chefe da Delegacia de Crimes Financeiros), Protógenes disse que desistiu de continuar a viagem a caminho da casa de Pitta e que deixou a delegada Juliana Ferrer a ¿2 quilômetros do alvo¿. Roberto Troncon pede a palavra e diz que é preciso esclarecer como é que a operação com profissionais de São Paulo não achava um endereço em São Paulo.

Diálogo de Roberto Troncon com a delegada Juliana Ferrer:

Troncon: ¿Você (Juliana) é de São Paulo ou de onde?¿ Juliana: ¿De São Paulo¿ Troncon: ¿Você estava perdida?¿ Juliana: ¿Não¿ Troncon: ¿Quando você chegou lá (na casa de Celso Pitta) a imprensa já estava lá?¿ Juliana: ¿Estava¿ Troncon: ¿Quem, que emissora?¿ Juliana: ¿Depois a gente verificou que era a TV Globo¿

VAZAMENTO E ¿MÍDIA BANDIDA¿

Troncon questiona Protógenes: Troncon: ¿Teve alguma razão específica para ter mencionado dois locais (prisão de Pitta e Naji Nahas), já que a operação tinha todo esse negócio de sigilo. (Vocês) falaram literalmente no briefing (dessas duas prisões), não havendo necessidade de outra pessoa saber, além das próprias equipes que iriam cumprir os mandados ao abrir os envelopes.Teve alguma razão específica (para citar) justamente os dois locais em que apareceu a imprensa?¿

Protógenes: ¿Em São Paulo, toda a operação que eu coordenei, eu tenho a pecha de que eu escondo, que eu não falo. Em respeito aos colegas, em confiança, alguns colegas eram meus contemporâneos na superintendência, então, em confiança a esses colegas, em confiança à tropa que foi para a rua, eu me senti na confiança para divulgar os nomes. Posso até ter errado, mas senti confiança, sabedor que eles iriam para a rua (atrás) dos alvos principais e assim trouxeram e honraram o compromisso com a Policia Federal¿

Troncon: ¿Me desculpa, mas isso tem uma certa incoerência. Você estava com tanta preocupação com relação a vazamentos, já tinha tido caso de vazamento, não passaram informações para a superintendência regional e o Dcor (Departamento de Combate ao Crime Organizado) em nome de preservar e evitar que isso acontecesse, e aí, para 200 e não sei quantos policiais que tinha nesse briefing, de manhã, você fala em dois alvos que, coincidentemente, justamente os dois alvos em que foi a Rede Globo. Isso, honestamente, tenho dúvidas. Estou tentando entender qual foi o motivo¿

Protógenes: ¿Estou lhe passando a extrema realidade. Não tem nada mais além disso. Se fosse assim, se eu tivesse que chamar a imprensa ou dar preferência a alguma emissora, como pode-se até carrear nesse ponto, como a mídia bandida tem alardeado isso... quem da mídia está criticando esse ponto é porque.... Na própria investigação já diz que ela está criticando. Tem mais é que criticar mesmo. Eu fiz um parágrafo de mídia (no relatório) justamente para movimentar a sociedade e nós refletirmos realmente a questão da mídia no trabalho da PF. E até refletir no Judiciário e do Ministério Público (...)¿

Troncon: ¿Retomo a questão da preferência para imprensa. Sou veementemente contrário por uma razão muito simples: a imprensa, que é uma empresa privada, vive de lucros, é líder de audiência. Por que nós temos de dar prefe