Título: Obama divide movimento
Autor: Rodrigues,Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2008, Nacional, p. A8
Discurso "pós-racial" não faria sucesso aqui, diz ativista
Roldão Arruda
A vitória de Barack Obama, nos Estados Unidos, tem provocado debates entre líderes do movimento negro no Brasil. O que se observa, no Dia da Consciência Negra, comemorado hoje com feriado em 358 municípios, é a existência de agudas divergências no meio deles. Dias atrás, num artigo divulgado pela internet, o advogado e jornalista Dojival Vieira, coordenador do Movimento Brasil Afirmativo, expôs essas diferenças ao escrever que quase tudo que Obama fez para chegar à Casa Branca soaria no Brasil como verdadeira heresia para a maioria dos líderes negros.
¿O discurso `pós-racial¿ de Obama não faria o menor sucesso e não teria o menor ibope, pelo menos entre nossos auto-proclamados líderes, porque para a maioria deles a raça continua constituindo a razão de ser do movimento¿, disse. ¿Alguns flertam com a idéia de um Brasil birracial, ou seja: nosso papel seria superar a supremacia branca para afirmar a supremacia negra.¿
Em entrevista ao Estado, Vieira comparou: enquanto o presidente eleito dos EUA fez uma campanha no qual a questão da raça em momento algum figurou como ponto central, procurando estabelecer alianças com o conjunto da sociedade sobre questões de interesse de todo o país, embora jamais tenha renegado sua condição de afro-americano, no Brasil os líderes do movimento ainda falam como se vivessem no gueto.
¿Com sua agenda anacrônica, não conseguem compreender que para superar a chaga do racismo, um problema desestruturante da sociedade brasileira, é necessário criar pontes, envolver nessa agenda amplos setores da sociedade¿, afirmou. ¿É necessário que a bandeira do combate à desigualdade seja de todos os brasileiros.¿
Também pela internet, em um grupo de discussão, o cientista social Carlos Alberto Medeiros, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), criticou os termos usados no artigo de Vieira. ¿Travamos uma luta ideológica, e nossos inimigos jogam pesado no campo da chamada opinião pública¿, afirmou. ¿Temos uma diversidade de posições e opiniões que merecem ser apresentadas e discutidas. Mas é preciso ter responsabilidade no uso das palavras, para que uma crítica interna não seja transformada em instrumento dos dominadores para enfatizar nossas divisões.¿
Para o antropólogo Kabengelê Munanga, professor da USP, Obama, ao apresentar e discutir temas centrais da sociedade, provou que tinha melhores condições que o concorrente para dirigir o país e pôs abaixo o mito da supremacia racial branca. ¿Num país onde 12% da população é negra, seria um desastre utilizar a bandeira racial. Mas também não funciona nem no Brasil, onde a população negra é bem maior. Tanto lá como aqui é preciso discutir a sociedade como um todo, sem negar a questão da racismo.¿