Título: País firma acordo com o Vaticano
Autor: Nossa,Leonencio
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/11/2008, Vida, p. A22

Mas aula de religião nas escolas públicas do ensino fundamental continua facultativa e não confessional

Leonencio Nossa

Embora não considere ideal, a Santa Sé obteve do governo brasileiro a assinatura de um acordo que mantém o ensino religioso facultativo nas escolas públicas do ensino fundamental. O acordo não traz mudanças práticas, mas aumenta as garantias da Igreja Católica de manutenção das aulas de religião mesmo com eventuais alterações na legislação brasileira.

Hoje, na biblioteca do Vaticano, ocorrerá a primeira audiência oficial que será concedida pelo papa Bento XVI ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A Santa Sé pressionava o governo desde 2000, durante o pontificado de João Paulo II, a fechar um acordo que ratificava a garantia do ensino católico. Temendo polêmicas, o Itamaraty costurou um texto que estende essa garantia a outros credos. Por considerar uma intromissão em assuntos do Estado, o governo não aceitou artigo que dava garantias, ainda, ao cumprimento de feriados religiosos, como Natal e Nossa Senhora Aparecida.

O acordo, que terá 20 artigos, praticamente é uma cópia do parágrafo 210 da Constituição e do artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que estabelecem o direito individual dos alunos em ter disciplina facultativa de ensino religioso no horário normal das aulas, segundo informação de Vera Machado, embaixadora do Brasil junto à Santa Sé.

Em 2007, na visita de Bento XVI a São Paulo, educadores e religiosos travaram uma polêmica sobre um possível acordo que feria o princípio do Estado laico e separado da Igreja Católica, estabelecido pela primeira Carta da República, em 1891. Havia um temor de mais isenções de impostos à pessoa jurídica católica do que a Constituição garante a outras religiões.

Em entrevista ontem em Roma, a embaixadora Vera Machado leu os 20 artigos do acordo, especialmente o parágrafo primeiro do artigo 11º, que trata do ensino religioso. ¿O ensino religioso católico e de outras religiões, de matrícula facultativa, constitui disciplina do horário normal das escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, em conformidade com as leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação¿, diz o documento.

Vera, diplomata de carreira, desdobrou-se nos argumentos de que o acordo é apenas ¿administrativo¿ e ¿diplomático¿, que junta num texto leis e regras em vigor e não entra em outros temas polêmicos, como aborto e pesquisas com células-tronco. ¿Pode pegar uma lupa e olhar o acordo. Não há nada que fira os interesses nacionais e o ordenamento jurídico brasileiro¿, disse.

A embaixadora Maria Edileuza Fontenele Reis, diretora do departamento de Europa e que conduziu as negociações com a Santa Sé, afirmou que o temor da obrigatoriedade de ensino religioso católico é resultado de ¿desconhecimento¿. ¿O acordo não tem nenhuma malandragem, se tivesse era o meu pescoço que iria para a forca¿, disse.