Título: Ação contra pirataria revela contradições
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/11/2008, Internacional, p. A16

Países da União Européia e da Ásia anunciaram ontem o lançamento de uma ofensiva naval de larga escala contra os piratas somalis que já seqüestraram mais de 90 embarcações na costa leste da África desde o começo do ano. A medida, tardia, foi acompanhada por uma resolução unânime do Conselho de Segurança da ONU que prevê sanções contra o já falido Estado da Somália, país de origem da maioria dos corsários.

Embora sugira uma reação coordenada, a medida esconde contradições. Os EUA, que já mantêm navios na região, relutam em apoiar operações militares ofensivas e de resgate. A Rússia, que ontem anunciou o deslocamento de uma frota para o Golfo de Áden, tinha sido a primeira potência a criticar as patrulhas militares em alto-mar, na quarta-feira.

¿Discordo da idéia de que cabe às Marinhas do mundo resolver o problema. As empresas também têm a obrigação de proteger seus navios¿, disse o porta-voz do Pentágono, Geoff Morrell.

O comandante da Marinha russa, almirante Vladimir Vysotski, anunciou que ¿enviará navios de guerra de outras frotas para a região¿, apesar de o embaixador da Rússia na Otan, Dmitri Rogozin, ter expressado opinião discordante sobre a eficácia de ações em alto-mar: ¿Na verdade, deveria ser feita uma operação costeira para erradicar as bases dos piratas em solo. Todos nós sabemos que eles têm suas bases em terra firme.¿

A Coréia do Sul também planeja enviar um destróier para a área e o primeiro-ministro japonês, Taro Aso, pediu que o Parlamento mude a lei que, desde a 2ª Guerra Mundial, proíbe ofensivas militares realizadas pelo país, informa, de Pequim, a correspondente do Estado, Cláudia Trevisan.

Atualmente, há pelo menos 12 embarcações ancoradas no porto pirata de Eyl, na costa da Somália - entre elas, um navio carregado com armas, munição e 33 tanques de guerra, e um superpetroleiro saudita com US$ 100 milhões em petróleo.

Outro desencontro - desta vez, envolvendo sauditas e britânicos - é o pagamento de resgate por estes barcos e navios. ¿Há uma firme posição do governo britânico, na verdade, de toda a comunidade internacional, de que o pagamento de resgate só encoraja mais seqüestros¿, disse o secretário britânico de Relações Exteriores, David Miliband. O príncipe saudita, Saud al-Faisal anunciou que a empresa dona do petroleiro já está negociando o pagamento do resgate (leia ao lado).

No front diplomático, o Conselho de Segurança da ONU aprovou por unanimidade a aplicação de sanções contra ¿indivíduos e instituições¿ somalis envolvidas em pirataria, ignorando o fato de que a Somália é um Estado em fase de descomposição institucional e de que uma das principais dificuldades tem sido, justamente, localizar corsários em pequenos botes espalhados numa área imensa.

A empresa de segurança Blackwater, conhecida pelos crimes de guerra cometidos no Iraque, anunciou que planeja oferecer escolta para navios que passem pela região.

DESENCONTROS

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