Título: Palavrório anticíclico
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/11/2008, Notas & Informações, p. A3

A nova idéia do governo federal para combater a crise é uma campanha com o slogan ¿o mundo aprendeu a respeitar o Brasil e o Brasil confia nos brasileiros¿. Anúncios em rádios, TVs, jornais e internet estimularão o consumidor a gastar para manter a economia em funcionamento - e ainda mostrarão, como um brinde especial ao distinto público, os grandes acertos da política econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esta, pelo menos, foi a explicação apresentada logo depois da reunião ministerial na Granja do Torto, na segunda-feira. Nenhuma outra medida concreta foi anunciada. O presidente da República juntou numa sala 36 de seus 37 ministros, durante horas, para discutir a maior crise internacional desde os anos 30 e suas implicações para o Brasil e esse foi o resultado mais vistoso.

Coube ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a seu colega da Comunicação Social, Franklin Martins, contar à imprensa como foi a reunião e resumir as conclusões do encontro. Mantega mencionou, apenas como hipótese, novos cortes de tributos. Lembrou, como exemplo, a redução, anunciada na última semana, do IOF cobrado nas vendas de motocicletas. Em relação a novos estímulos nada foi anunciado pelo ministro.

O governo, segundo ele, fará de tudo para a economia brasileira crescer 4% em 2009. Haverá, admitiu, uma desaceleração do crescimento, mas o governo trabalha para não deixá-la instalar-se no País. A solução, de acordo com Mantega, será investir. ¿O presidente Lula quer manter o Brasil como um canteiro de obras.¿

Pelas estimativas oficiais, o setor público poderá investir R$ 101,5 bilhões em 2009: R$ 21 bilhões destinados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), R$ 40 bilhões desembolsados pelas estatais, R$ 14,5 bilhões do Fundo Soberano e R$ 26 bilhões de restos a pagar (verbas orçamentárias empenhadas, mas não desembolsadas neste exercício).

O Brasil, disse o ministro, já tem um programa anticíclico: ¿O PAC é um programa anticíclico por antecipação, pois, ao lançá-lo, a idéia do governo foi fortalecer o crescimento da economia brasileira.¿ É uma declaração instrutiva. Primeiro, porque se refere à invenção de um programa anticíclico formulado muito antes do surgimento da crise. Segundo, porque mostra ao cidadão menos informado a semelhança entre ¿aceleração do crescimento¿ e ¿fortalecimento do crescimento¿.

Na mesma linha esclarecedora, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, mencionou, ontem de manhã, a ordem do presidente aos ministros para aplicarem toda a verba prevista para a realização do PAC. A orientação, segundo ela, é ¿acelerar ainda mais o PAC¿. Mas para que a recomendação, se a verba já está no orçamento? E que significa ¿acelerar ainda mais¿, no caso de um programa notoriamente emperrado?

Dos R$ 42,32 bilhões destinados a investimentos neste ano, o governo empenhou até 7 de novembro R$ 20,73 bilhões (48,97% do total) e pagou somente R$ 4,75 bilhões (11,24%). Até a primeira semana do penúltimo mês, portanto, a administração federal não empenhou nem metade das verbas previstas para o ano e desembolsou pouco mais de 11%.

No caso do PAC, o cenário também é ruim. Estão previstos no orçamento R$ 17,97 bilhões, mas o empenho chegou a meros R$ 10,82 bilhões (60,21%) e pagou R$ 9,34 bilhões (51,97%). Mas a maior parte do desembolso, R$ 6,85 bilhões, corresponde a restos a pagar, isto é, a dinheiro empenhado em 2007 e pago só neste ano. Isto dá uma idéia de como as obras estão atrasadas. Sobra dinheiro para investimentos, porque o governo é incapaz de elaborar projetos e de executá-los.

Apesar disso, o Tesouro Nacional continua esfolando o consumidor e as empresas produtivas. Um programa sério de alívio tributário seria muito mais eficiente como estímulo à economia do que qualquer palavrório sobre o PAC e qualquer campanha para animar o brasileiro a consumir. Se o índice de confiança do consumidor caiu nos últimos dois meses, de acordo com a FGV, foi porque piorou a sua percepção tanto do quadro presente quanto do cenário dos próximos meses. Esse consumidor tem bons motivos para temer o futuro e para se retrair. É preciso mais que oba-oba para transmitir-lhe segurança.