Título: Depois da pena, a folia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2008, Notas & Informações, p. A3

Ele não foi o primeiro, não é o único, nem decerto será o último. Cássio Rodrigues da Cunha Lima, o governador tucano da Paraíba cassado na semana passada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em votação unânime, é somente mais um representante acabado da espécie ao que tudo indica perene na vida pública brasileira - a dos políticos que fazem qualquer negócio, com o dinheiro do contribuinte, é claro, para subir e ficar no poder. Cunha Lima tampouco é a primeira figura que desponta na cena política, encarnando uma promessa de mudança de mentalidades e renovação de costumes, para depois deslizar para a vala comum onde vem se amontoando de há muito o entulho ético nacional. Em 1987, quando chegou à Assembléia Constituinte, com apenas 24 anos, foi tido por observadores otimistas como um dos símbolos de uma geração de detentores de mandatos eletivos que vinha para modernizar e moralizar a política.

Essa expectativa pareceu confirmar-se quando ele se filiou ao PSDB, o partido originário da repulsa ao peemedebismo fisiológico e corrupto. Nada como o tempo para dissipar ilusões. Disputando a reeleição ao governo da Paraíba, em 2006, o ex-deputado de dois mandatos e ex-prefeito, por três vezes, do município de Campina Grande, onde nasceu (ele próprio filho de um governador do Estado), promoveu a distribuição a eleitores de 35 mil cheques nominais, emitidos pela Fundação de Ação Comunitária, somando quase R$ 4 milhões. Parte dos cheques serviu para pagar, entre outras coisas, mensalidades de TV a cabo. Junto, vinha a mensagem: ¿Esse é um presente do governador. Lembre-se dele. Com os cumprimentos, Cássio Cunha Lima, governador.¿ O lembrete foi citado por uma testemunha ao relator do processo contra o político no TSE, ministro Eros Grau, que denunciou o ¿marcante descontrole na distribuição de valores na proximidade do pleito¿.

A cassação da generosa autoridade (e do seu vice José Lacerda Neto), por abuso de poder e conduta vedada, havia sido decidida em julho de 2007 pela Justiça Eleitoral paraibana, a partir de uma iniciativa do Partido Comunista Brasileiro (PCB). O TRE também considerou abusivo o programa que proporcionou ao consultor jurídico do governo cerca de R$ 56 mil para tratamento de saúde. A mulher de um secretário foi aquinhoada com R$ 10,9 mil para o mesmo fim. Graças a uma liminar, concedida três dias depois da decisão, Cássio Lima se manteve no cargo, onde permanecerá até a publicação do acórdão do TSE, a menos que o Supremo Tribunal Federal (STF) acolha medida cautelar contra a sentença. Mas, entre a confirmação da perda do mandato e dos direitos políticos até 2009 e o seu esperado afastamento efetivo, ele como que se esmerou em justificar retrospectivamente a pena sofrida - que ele considera nada menos do que ¿o maior erro jurídico da história¿ (não se sabe se da Paraíba, do Brasil ou do universo conhecido).

Na segunda-feira, escancarou os cofres do Estado, enviando à Assembléia Legislativa um festival de presentes. Para atrapalhar a vida do sucessor designado, o senador José Maranhão, do PMDB, a quem ele derrotara no pleito de 2006, promoveu escandaloso ¿trem da alegria¿ aumentando os salários de diversas categorias do funcionalismo - dobrando, por exemplo, os dos procuradores - e autorizando a contratação de 854 novos servidores. Sofregamente, a mui leal casa de leis aprovou tudo numa única manhã, em dez sessões extraordinárias que duravam, quando muito, 5 minutos cada. Quando se candidatar a senador em 2010, o que é dado como certo, Cunha Lima poderá lembrar aos funcionários beneficiados a largueza do seu gesto atual. A cereja do bolo nessa história é o comportamento do PSDB. De pronto, o partido se solidarizou com o cassado. Em seguida, entrou no STF com uma ação para impedir a posse de Maranhão; o partido quer uma nova eleição para o governo paraibano. Depois, reagiu com um silêncio estertóreo à gastança de 25ª hora do governador destituído.

Como observou neste jornal a colunista Dora Kramer, o PSDB não impôs nenhum reparo à esbórnia, a despeito de ter sido inventor e guardião da responsabilidade fiscal. ¿O tucanato fez-se de morto. Não deu sinal de considerar a folia paraibana nem de longe parecida com a gastança patrocinada pelo governo federal.¿