Título: Besouro é arma contra superbactéria
Autor: Gonçalves, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2008, Vida &, p. A18

Uma praga comum em armazéns de cereais poderá ajudar cientistas a vencer um dos maiores desafios da medicina contemporânea: conter o surgimento de superbactérias imunes a antibióticos. Um artigo da revista americana Science, publicado na semana passada, descreve as eficazes defesas naturais contra microrganismos do besouro Tenebrio molitor, conhecido popularmente como bicho-da-farinha.

Os insetos produzem combinações de antibióticos para vencer infecções e raramente surgem linhagens resistentes de micróbios. Os médicos também utilizam coquetéis de antibióticos para curar doentes, mas, mesmo assim, as bactérias adquirem resistência. ¿Conhecer o segredo da eficácia dos besouros pode melhorar nossas terapias¿, diz o biólogo e co-autor do estudo, Jens Rolff, da Universidade de Sheffield, Inglaterra.

Processos sucessivos de seleção determinam o aparecimento de linhagens resistentes de bactérias. Quando uma pessoa com infecção é tratada com antibióticos, espera-se que a terapia destrua os microrganismos. No entanto, pequenas mutações em alguns micróbios podem aumentar sua resistência aos medicamentos. Quando isto acontece, uma pequena parcela sobrevive e assume o lugar das bactérias vulneráveis aos remédios. ¿Os hospitais podem ser vistos como laboratórios de seleção involuntária dos microrganismos mais resistentes¿, explica o infectologista Henrique Marconi, chefe da Divisão de Controle de Infecções do Hospital Santa Luzia, em Brasília.

Ao estudar os besouros, cientistas descobriram que eles contam com um mecanismo voltado especificamente para evitar o surgimento de linhagens resistentes de bactérias (mais informações nesta página).

Quando um inseto é infectado, rapidamente entram em ação enzimas de proteção e células de defesa - os hemócitos - que devoram as bactérias. Em menos de uma hora, cerca de 99,5% dos invasores foram removidos. Restaram apenas os mais resistentes.

Começa então a segunda batalha da guerra, bem mais longa e extenuante. O besouro recolhe as defesas convencionais e utiliza arsenais de peptídeos - pequenas proteínas que atuam como antibióticos naturais. A artilharia atinge seu ponto máximo 24 horas depois da infecção e permanece ativa por 28 dias. Normalmente, no 14º dia, as bactérias já foram eliminadas.

A estratégia de defesa é cara do ponto de vista metabólico, pois implica alto e arriscado gasto de energia. A evolução comprovou que o investimento vale a pena: há 400 milhões de anos na Terra, os insetos constituem o grupo de animais mais diversificado e disseminado.

Cientistas coreanos já procuram isolar peptídeos do T. molitor para produzir medicamentos (mais informações nesta página) e há muitas outras pesquisas para sintetizar em laboratório antibióticos naturais de outros organismos.

CONTRA O TEMPO

Marconi considera uma ótima notícia qualquer descoberta que contribua para a luta contra as superbactérias. Ele recorda que o micróbio utilizado na pesquisa inglesa - o Staphylococcus aureus - é uma das espécies patogênicas mais comuns em seres humanos.

Linhagens resistentes da bactéria já são responsáveis por 60% dos casos de infecção hospitalar em Unidades de Terapia Intensiva nos Estados Unidos. ¿É um problema muito grave¿, avalia Marconi. ¿E o tempo não joga a favor.¿