Título: O STJ e a chicana jurídica
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2008, Notas & Informações, p. A3

Graças ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a velha tática dos advogados da União de interpor recursos protelatórios no Judiciário, com o objetivo de adiar ao máximo o pagamento de dívidas ou o cumprimento de obrigações, pode estar com os dias contados. Ao julgar embargo de declaração impetrado pela Advocacia-Geral da União (AGU) com o propósito de retardar o pagamento de uma indenização, a 2ª Turma da Corte negou provimento ao recurso, e ainda multou a União em 1% sobre o valor da causa, pela prática de chicana jurídica.

A medida, que é rara nos tribunais, partiu do ministro Mauro Campbell Marques e foi aprovada por unanimidade. Em seu voto, o ministro afirmou que de nada adianta modernizar as leis processuais para agilizar a tramitação das ações judiciais, por meio da adoção da súmula vinculante e do filtro da repercussão geral, se não houver uma mudança de mentalidade no poder público, que é o principal responsável pelo congestionamento dos tribunais federais.

Em muitas demandas nas quais a União é ré, diz Marques, estão em causa direitos, necessidades e até o patrimônio constituído ao longo de uma vida por cidadãos. Por isso, afirma ele, o uso abusivo de recursos judiciais com fins protelatórios, por parte de advogados da AGU, acarreta injustiças e desmoraliza o Judiciário.

¿Enquanto reinar a crença de que os tribunais podem ser acionados para funcionar como obstáculos dos quais as partes lançam mão para prejudicar o andamento dos feitos, será constante o desrespeito à Constituição. Aos olhos do povo, os juízes passam a ser inimigos, e não engrenagem de uma máquina construída unicamente para servi-los¿, conclui.

O embargo de declaração rejeitado por unanimidade pela 2ª Turma do STJ é um bom exemplo dos expedientes protelatórios que os procuradores de órgãos públicos costumam utilizar. A demanda foi ajuizada em 2000 por um cidadão e a primeira instância da Justiça Federal, seguindo a jurisprudência firmada pelo próprio STJ, condenou a União. A AGU recorreu ao Tribunal Regional Federal e, após sofrer nova derrota, apelou para o STJ, esgotando quase todos os recursos previstos pelo Código de Processo Civil.

Em todas as instâncias, os advogados da AGU invocaram os mesmos argumentos jurídicos que foram considerados improcedentes já no primeiro julgamento. Em outras palavras, eles nunca apresentaram argumentos novos que justificassem uma mudança de entendimento por parte da Justiça Federal. E, quando o caso estava praticamente decidido, a AGU entrou com embargo de declaração - um recurso em que se questiona eventual omissão, contradição ou obscuridade de uma sentença ou acórdão. No entanto, como o STJ já havia firmado entendimento sobre a matéria, não havia o que se questionar. Foi isso que levou o ministro Mauro Campbell Marques a multar a União e a conclamar a magistratura a agir com maior rigor contra recursos impetrados apenas com o objetivo de protelar o cumprimento de decisões judiciais.

Em sua defesa, os advogados da União alegam que são obrigados a recorrer em todas as ações, mesmo naquelas em que sabem que serão derrotados, para não serem processados por crime de responsabilidade. Em vigor desde 1992, a Lei de Improbidade Administrativa prevê para o servidor público que eventualmente causar perdas patrimoniais ao erário sanções que vão de simples advertência administrativa à perda do cargo, demissão do serviço público e suspensão dos direitos políticos, além do pagamento de multa de até duas vezes o valor do prejuízo.

Mas, para evitar que isso ocorra, o chefe da AGU tem a prerrogativa de editar súmulas, definindo os casos e as matérias em que não há necessidade de recorrer. Quando chefiou o órgão, o ministro Gilmar Mendes, atual presidente do Supremo Tribunal Federal, editou várias súmulas, permitindo aos seus subordinados que se concentrassem apenas nas ações mais relevantes e de grande valor. Em resposta a um editorial do Estado, publicado em 15 de outubro, o atual chefe da AGU, José Antonio Toffoli, disse que manteve essa política. Mas é preciso ampliá-la ainda mais, para acabar de uma vez por todas com o abuso de recursos protelatórios e evitar mais condenações e multas como a que a AGU acaba de sofrer no STJ.