Título: Brasil pode suspender crédito a vizinhos
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2008, Internacional, p. A14

O governo brasileiro vai rever a política de concessão de empréstimos do BNDES a parceiros sul-americanos que, como o Equador, resolvam contestar sua dívida com o País. O alerta é do chanceler Celso Amorim, que ontem em Genebra não poupou críticas aos vizinhos.

¿Espero que todos esses países tenham muitas outras fontes de crédito e de receitas externas para continuarem a progredir¿, disse o ministro. ¿Eles não podem tratar o Brasil como uma potência colonial que esteja querendo explorá-los. Nós seguimos as regras do mercado internacional e se eles não acham que essas regras são boas, podem abrir uma discussão.¿

Em setembro, o Equador resolveu questionar os contratos com a brasileira Odebrecht que incluem empréstimos do BNDES, desatando uma crise diplomática. Nas últimas semanas, Venezuela, Bolívia e Paraguai anunciaram iniciativas para ¿auditar¿ suas dívidas externas e o grande medo de fontes ligadas ao governo brasileiro é que tais países também acabem contestando suas dívidas com o BNDES.

Nos últimos anos, o BNDES foi umas das bases financeiras do projeto de integração sul-americana do governo brasileiro. No total, o banco tem a receber US$ 2,5 bilhões de países da região apenas em créditos para as exportações. ¿O não-pagamento dos empréstimos (do Equador) terá impacto na concessão de (novos) empréstimos para todos os outros países. Não é uma ameaça. É uma constatação¿, disse Amorim. ¿O Brasil terá de se perguntar: vale a pena emprestar?¿

MOTIVAÇÃO POLÍTICA

O chanceler não descartou que haja ¿motivação política¿ na decisão do Paraguai, da Bolívia e da Venezuela de também fazer uma auditoria em seus contratos externos. ¿Essas coisas às vezes são ditas no entusiasmo do momento. As pessoas às vezes têm motivações políticas ou outras¿, afirmou.

O ministro lembrou que o que reduziu o risco de empréstimos para os países membros da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) foi o Convênio de Pagamentos e de Créditos Recíprocos (CCR), que agora está sendo questionado.

O CCR prevê o compromisso de pagamento entre os bancos centrais dos países envolvidos numa operação de comércio exterior. ¿Se a garantia não vale mais, ou vale menos do que se pensava, o risco aumenta¿, explicou o chanceler.

A conta, segundo Amorim, é simples. Enquanto uma apólice de risco via CCR custa 2% do valor da operação, o seguro fora do convênio pode sair em até 12%. O aumento dos custos e dos riscos poderia impedir o fechamento de muitos contratos.

Amorim admite que boa parte dos créditos concedidos pelo Brasil precisam ser usados pelos países que os recebem para pagar empresas brasileiras - como no caso da Odebrecht no Equador. Mas diz que a política externa do País tem como um de seus objetivos ajudar toda a região.

¿Nós trabalhamos pela integração da América do Sul e fizemos convênios de livre-comércio em que esses países muitas vezes foram beneficiados assimetricamente¿, explicou. ¿Se eles acharem que não precisam (dos empréstimos), que não querem e que têm outras fontes (de financiamento), o que é que eu posso fazer?¿

Sobre a decisão de Quito de levar os contratos com o Brasil a tribunais internacionais, Amorim não disfarçou sua frustração. ¿Você aluga o apartamento de um amigo. Um dia, você diz a ele que o custo de vida subiu e quer discutir o aluguel. Isso é uma coisa. Agora, se no lugar de discutir você leva o tema ao juiz para decidir se o aluguel está correto ou não, aí temos outra situação¿, disse. ¿O que nos espanta é que nós não tivemos nenhum pré-aviso (de Quito).¿