Título: O pré-sal e a Petrobrás
Autor: Garnero, Mario
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2008, Economia, p. B2

Amainam os ventos do furacão mundial e comecemos a pensar nas comezinhas coisas do dia-a-dia, como é o caso brasileiro do chamado pré-sal.

Denomino-o ironicamente comezinho pois parecia incrível que, de um momento a outro, uma descoberta de cerca de 80 bilhões a 100 bilhões de barris de petróleo pudesse desaparecer subitamente das manchetes e do noticiário.

Rememoro agora o debate que se instalou no Brasil em fins de 1979, quando o segundo choque de petróleo nos atingiu e nos levou à iliquidez.

Sem saídas e devendo ao mundo, decidiu-se na Comissão Nacional de Energia - em que me coube representar o setor privado - entre o racionamento de combustíveis automotivos e a produção de etanol para uso numa frota que por ano recebia 1 milhão de automóveis novos.

Até então, somente se usava o álcool anidro para se misturar à gasolina em proporção em média de até 18%.

Diante das alternativas apresentadas, a resolução do setor privado, representado pela indústria automobilística - a qual presidia -, por usineiros, sindicatos de trabalhadores e do governo federal, foi produzir carros a etanol puro e incrementar o volume de álcool pelas empresas do setor. Assim pudemos em três meses, com a participação da Petrobrás distribuindo o álcool nacionalmente, iniciar 1980 sem racionamento e implantando uma solução que aumentou o número de empregos, deu vanguarda tecnológica e ambiental ao País e mostrou que a cooperação efetiva entre setores privados e governo pode criar fatos novos e suplantar qualquer crise.

Entender o passado é fator condicionante para a tomada de decisões corretas no futuro. Esse ensinamento é perfeitamente aplicável à questão do pré-sal brasileiro, de fundamental importância para a Nação.

Mais importante ainda é a presença dos setores produtivos e da Petrobrás como coordenadora dos esforços para obtermos com economia de escala e em tempo recorde o pleno domínio das descobertas feitas e de outras que virão, que podem dar ao Brasil uma reserva próxima às maiores do mundo, podendo atingir a marca de 200 bilhões de barris.

Desejo participar deste debate nacional com a responsabilidade de quem, como presidente da Anfavea e em exercício da Confederação Nacional da Indústria, colaborou na época da edificação das fundações necessárias para que nosso país hoje use mais etanol que gasolina, que nossa matriz energética seja uma das mais usadas no mundo e que cerca de 80% de suas fontes sejam de energia limpa e renovável.

Ademais, vejo como fundamentais poucas modificações nos marcos regulatórios.

O capital necessário para o pré-sal de hoje é de cerca de US$ 700 bilhões, metade do que produzimos todos nós, brasileiros, em um ano no País.

Queremos que a Petrobrás, com seu patrimônio tecnológico e a capacitação empresarial de seu corpo funcional - além de sua impecável reputação internacional -, seja a âncora deste salto impressionante que daremos com a exploração racional das novas jazidas.

Portanto, vamos precisar de uma Petrobrás altamente eficiente e capitalizada, transformada numa das maiores petrolíferas do universo e competindo com a Aramco e as outras maiores do mundo.

Assim, na condição de quem já colaborou num movimento exitoso e pioneiro, lançando o carro a álcool e revertendo o pessimismo geral com a conta do petróleo, venho modestamente apresentar estas sugestões num momento de definições pelo governo Lula:

Mudar-se-iam as proporções de participação da União para 80% do petróleo encontrado;

A União faria um aumento de capital da Petrobrás e integralizaria as áreas do pré-sal ainda não exploradas por seu valor estimativo, mas auditado, conseguindo assim chegar a deter mais de 85% do novo capital social da Petrobrás e deixando portanto em mãos de brasileiros a receita futura das novas áreas.

Tudo isso sem violentar contratos assinados ou criar obstáculos jurídicos impossíveis hoje de serem avaliados no âmbito de acionistas nacionais ou estrangeiros e, evidentemente, conservando e fortalecendo um patrimônio nacional chamado Petrobrás, atenderíamos os reclamos do governo e da população, que diriam que o petróleo é nosso, mas absolutamente não ficará sob as ondas do mar.

*Mario Garnero, presidente do Conselho do Grupo Brasilinvest, é presidente do Fórum das Américas e da Associação das Nações Unidas (Brasil)