Título: Não é possível crescer 4% em 2009
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2008, Economia, p. B7

O economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central (BC), não descarta a hipótese de o Brasil enfrentar uma recessão técnica (caracterizada por dois trimestres seguidos de queda do Produto Interno Bruto) em 2009. ¿Acho perfeitamente possível que, no cenário de um PIB se expandindo entre 2% e 2,5%, tenhamos dois trimestres consecutivos de crescimento negativo¿, diz. Para ele, a meta do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de expansão de 4% do PIB do ano que vem é excessivamente otimista. ¿Se o governo tentar fazer um crescimento acelerado, colherá resultados desagradáveis.¿

O que o sr. projeta para a economia brasileira em 2009?

O crescimento deve ficar entre 2% e 2,5%. Há várias razões para isso. A primeira delas é a desaceleração muito forte da economia mundial, que pegou Estados Unidos e Europa. A esperança de muitos era que a China não desacelerasse, mas o país está hoje com uma desaceleração forte, como os demais mercados emergentes. Isso reduz o preço das commodities, o que diminuirá as exportações do Brasil. Além disso, há o fato de que a crise reduz o ingresso de capitais em países emergentes. Assim, as importações vão sofrer. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, também chamada de taxa de investimentos) depende muito de importação. Isso nos leva, portanto, a uma redução do crescimento da FBCF.

O investimento sofrerá mais?

Neste primeiro momento, sim. O consumo vai sofrer mais para frente, daqui a 7 ou 8 meses.

E a produção industrial de outubro?

Os dados mostraram uma desaceleração muito forte. Há uma queda muito grande nos bens intermediários, porém ainda menor em bens de capital e construção civil. Mas esses dois setores serão muito atingidos mais adiante.

Há risco de recessão técnica?

A definição ¿técnica¿ de recessão é apenas uma convenção. Acho perfeitamente possível que, no cenário de um PIB crescendo entre 2% e 2,5% em 2009, tenhamos dois trimestres consecutivos de crescimento negativo.

Como o sr. vê o ministro Guido Mantega falar em crescimento de 4% para 2009?

Ele tenta, no fundo, colocar uma imagem de otimismo. Mas minha impressão é de que esse otimismo é excessivo.

Não dá para crescer 4%?

Se tentar crescer 4%, vamos ver a taxa de câmbio se desvalorizando muito mais. As importações cresceriam muito mais rapidamente e não é possível financiá-las, em razão da queda da quantidade das exportações mundiais, que afetará as exportações brasileiras. E também em conseqüência da queda dos preços das commodities, que joga para baixo o preço das exportações brasileiras. Seria factível se tivesse capacidade para financiar um déficit em conta corrente muito maior. Essa hipótese é afastada ante os sinais que vêm da crise bancária internacional. Há uma desalavancagem grande no sistema financeiro internacional que mostra redução do fluxo de capitais. Por isso, não é possível chegar aos 4%.

O governo deveria se `conformar¿ com um crescimento menor?

Se o governo tentar fazer um crescimento acelerado, colherá resultados desagradáveis. A não ser que o governo tenha alguma informação que nenhum de nós tenha, não vamos ter fluxos de capitais suficientes para financiar um aumento do déficit em conta corrente. Se tentar ampliar o consumo, vai gerar um déficit não financiável na conta corrente. Aí, o câmbio se deprecia e o investimento privado cai. O governo pode ampliar o consumo, mas à custa de uma queda do investimento. Ao final, isso não produz aceleração do crescimento econômico. A restrição externa é importante. Há duas soluções aqui dentro. Ou estamos todos enganados e essa é uma crise muito mais suave do que poderíamos imaginar, algo em que não acredito, ou, infelizmente, a desaceleração vai ser imposta sobre a economia brasileira, quer o governo queira, quer o governo não queira.

Como vê as políticas contracíclicas?

Vamos separar as coisas. Quando um Banco Central libera compulsórios para evitar uma desaceleração desordenada da atividade econômica, está, no fundo, evitando uma contração maior, mas isso não é política contracíclica. As políticas fiscais contracíclicas são erradas. Há países que podem fazê-la. China e EUA são dois exemplos. O primeiro porque tem superávit em conta corrente. Os EUA não têm restrição nenhuma porque, no meio da crise, o mundo todo compra títulos do Tesouro americano. No caso brasileiro, apesar da melhora da gestão da dívida pública, se o governo aumentar os gastos correntes, aumenta a absorção (demanda doméstica). Ou seja, diante dessa restrição externa de escassez de capitais, estaria aumentando o déficit em conta corrente, o que elevaria a taxa de câmbio, reduziria as importações e, por tabela, o investimento privado. Não é possível ter políticas fiscais contracíclicas.

Qual o impacto da desvalorização do real sobre a inflação e a taxa de juros?

Quando o câmbio sai de R$ 1,70 para R$ 2,10 produz um efeito inflacionário que demora 6, 7, 8 meses para chegar aos preços integralmente. Mas não chega todo porque há algumas forças dissipando esse efeito. Uma delas é a queda dos preços das commodities. A segunda é a desaceleração da atividade econômica. Um pedaço do efeito inflacionário será eliminado. Se é a totalidade ou não, é outra história. Depende do quanto ainda pode desvalorizar o real. No próximo Copom (reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central), a taxa deverá ser mantida. Se olharmos quatro ou cinco meses à frente, qualquer coisa pode acontecer.

Os EUA vêm ampliando o déficit fiscal. Há possibilidade de o país ter o rating (nota) rebaixado pelas agências de risco?

Acho ridícula essa proposição de rebaixar o rating dos EUA. Os EUA são a base do sistema. Não estão aí só pela forma de honrar sua dívida. Não há nenhum risco nessa direção. Talvez em um coquetel de fim de tarde com pessoas incautas seja uma piada divertida para poder levar adiante. Mas não tem fundamento econômico.

Quais as perspectivas para os EUA à luz do novo governo?

Tenho muita esperança no governo do (Barack) Obama. Primeiro porque ele mostra ser um indivíduo preparado, com a cabeça aberta. Entendeu que a crise precisa ser resolvida o mais rápido possível. Está levando para a Casa Branca pessoas experientes, como o Paul Volcker (ex-presidente do Federal Reserve, Fed, o banco central do país).