Título: Barganha custosa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/11/2008, Notas & Informações, p. A3

É inquestionável a necessidade de modernização do sistema tributário para aumentar a competitividade das empresas brasileiras e gerar empregos. Por isso, em princípio foi positiva para o País a aprovação, pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, do projeto de reforma tributária na semana passada.

Não há dúvida, porém, de que o texto pode - e deve - ser melhorado. O substitutivo do deputado Sandro Mabel (PR-GO), que foi o relator da proposta na comissão especial, manteve alguns pontos da proposta do Executivo, entre os quais a unificação de tributos, o que simplifica o sistema; o estabelecimento de legislação única para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); e a instituição de penalidades para Estados que praticarem a guerra fiscal. Mas, para agradar aos governos estaduais - a maioria dos secretários de Fazenda propôs o adiamento da discussão do tema -, o relator fez acréscimos ao projeto original. Prorrogou por 20 anos os benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus, manteve a incidência do ICMS sobre a cesta básica por exigência dos Estados mais pobres e ampliou os recursos do fundo que financiará projetos de infra-estrutura e foi criado como compensação para a proibição de novos incentivos do ICMS como forma de atrair investimentos. Há vários outros itens do substitutivo que exigem discussão mais aprofundada.

O que se espera de uma oposição consciente e competente é que procure corrigir as falhas do projeto ou, no mínimo, se esforce para conter os efeitos que considera mais negativos daquilo que foi aprovado pela comissão mista. Mas, tendo agido com pouco entusiasmo e seriedade quando o tema esteve em debate na comissão, onde foi derrotada, e sem apresentar argumentos convincentes para defender em plenário as mudanças que considera necessárias, a oposição ameaça obstruir o andamento do projeto.

Se tiver êxito, atrasará ainda mais um processo que já está muito atrasado - e acentuará ainda mais um dos defeitos mais evidentes do projeto, que é o prazo excessivamente longo para a implementação das mudanças. Há décadas se sabe que, sem um sistema tributário mais eficiente e menos complicado, a economia brasileira terá dificuldades cada vez maiores para crescer e enfrentar seus principais concorrentes no mercado internacional.

E a resposta que o governo prepara à oposição não poderia ser pior. Para fazer avançar rapidamente o projeto no plenário da Câmara - onde o substitutivo aprovado pela comissão especial será discutido e submetido a dois turnos de votação -, o Planalto parece disposto a pagar um preço alto demais, para as finanças públicas e para o contribuinte.

Disposto a votar o mais depressa possível o projeto na Câmara, se possível até o fim da próxima semana, o governo reuniu os partidos de sua base para com eles discutir as condições para vencer a oposição e aprovar a reforma. Tendo à frente a bancada do PMDB, a base aliada do governo colocou como condição para se empenhar pela votação da reforma tributária a instituição de um novo programa que beneficie contribuintes que têm dívidas com a Receita.

Seria algo semelhante a outros três programas de refinanciamento de dívidas aprovados nos últimos anos, conhecidos como Refis. Defensores desses programas alegam que, estimulados por benefícios como abatimento ou eliminação de multas e juros e extensão do prazo de pagamento, contribuintes inadimplentes regularizam sua situação fiscal, recolhendo impostos atrasados e mantendo sua contribuição em dia. Na prática, porém, o aumento de arrecadação produzido por esses programas é desprezível. Seus grandes beneficiários são sonegadores contumazes que vêem nos Refis uma oportunidade para regularizar temporariamente sua situação tributária e habilitar-se a fornecer bens e serviços para o setor público, e em seguida parar de pagar os tributos devidos. Isso estimula a sonegação.

O governo diz que não aceita, de maneira nenhuma, incluir o novo Refis no projeto de reforma tributária. Mas diz que aceita sua inclusão em outras propostas que tramitam na Câmara. O efeito prático é o mesmo, para as finanças públicas e para os contribuintes honestos, que mais uma vez se sentirão lesados.