Título: É inviável bancar exame de próstata para todos
Autor: Iwasso, Simone
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/11/2008, Vida &, p. A27

Professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e um dos maiores especialistas em tumores de próstata no País, o médico cirurgião Miguel Srougi afirma que os homens devem fazer o exame anual para detectar o câncer, a despeito das incertezas científicas sobre a relação entre o rastreamento populacional da doença e o aumento da expectativa de vida masculina. Segundo Srougi, a nota divulgada pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) na semana passada, desaconselhando o exame como rotina para homens assintomáticos e sem histórico familiar, foi precipitada e não levou em conta que a maior parte dos casos diagnosticados, caso não sejam tratados, podem levar à morte.

Qual a polêmica atual em torno da realização do exame?

Ainda existem dúvidas sobre tumores de próstata e existem tipos diferentes de tumor. Há pacientes que têm tumores, mas eles não evoluem. Outros têm um tipo agressivo que, se não for tratado, leva à morte. Aí está a questão. Imagine um indivíduo com câncer que estivesse destinado a morrer em 2010. Se ele descobre o câncer em 2008, ele pode iniciar um tratamento e morrer em dois anos. Com uma campanha para detectar precocemente a doença, ele descobre que tem câncer em 2005, faz o tratamento e morre em 2010. Com isso, você pode ter a impressão de que o tratamento prolongou em cinco anos a vida dele. Mas, na verdade, não fez diferença nenhuma. Ou seja, ainda não se sabe se para alguns tipos de tumor a detecção e o tratamento prolonga ou não a vida do paciente.

Então é sabido que nem todo tumor deve ser tratado?

O tratamento não é inócuo. Ele pode provocar incontinência urinária, impotência, queimaduras intestinais ocasionadas pelas radioterapias. Por causa desses efeitos colaterais, existe uma discussão em aberto se o médico que descobre um câncer inofensivo e trata não acaba fazendo mais mal do que bem para o paciente. Nessa circunstância, o médico estaria se contrapondo, mesmo sem saber, a um dos princípios mais importantes que existem na medicina, que é o de você não lesar o paciente. Então, há inconvenientes, o tratamento realmente tem efeitos colaterais e há tumores que não provocam tantos danos. Por isso os médicos passaram a discutir esse tema.

A partir desse cenário, qual a melhor conduta a ser adotada por médicos e pacientes?

Há três grandes estudos em andamento, um canadense, um americano e um europeu, para saber se os pacientes que fazem rastreamentos anuais vivem mais ou não do que os outros. O europeu deve ficar pronto no próximo ano. O americano, em 2012 e o canadense, 2013. Mas esse último é o único que já divulgou resultados preliminares. E por eles o risco de os homens morrerem de câncer de próstata é 60% menor nos que fazem os exames rotineiramente. Os outros dois estudos ainda não têm resultados nem preliminares nem definitivos. Outro fator em favor dos exames é o fato de a maior parte dos tumores detectados não serem do tipo indolente, que não progride.

Há dados sobre a incidência de cada tipo de tumor?

Existem quatro ou cinco estudos que mostram que, do que se diagnostica em consultório, mais ou menos 15% são tumores indolentes, que não vão matar o doente, 25% são incuráveis e 60% são significativos e, se forem tratados adequadamente, a vida do paciente será prolongada. Em nome de proteger os 15% que tem câncer indolente, a falta do rastreamento prejudicará outros 60% que poderiam ser tratados. Então é um pouco precário falar `não vamos procurar o câncer e não vamos fazer o toque, porque eles são indolentes¿. Até porque não são muitos, são 15%. Em cerca de 25% dos casos a deteção não faz diferença porque o tumor já está fora da próstata.

O que o senhor achou da polêmica provocada pelo Inca?

O Inca acabou tomando uma atitude precipitada. Mas é preciso fazer uma ressalva, porque o Inca tem um trabalho de grande valor, com pessoas de grande valor e fazem um trabalho público extremamente importante. Mas, nesse caso, eles criaram um risco enorme para os homens por um equívoco.

Ao detectar um tumor, os médicos conseguem distinguir de qual tipo ele é?

Os médicos ainda não conseguem definir com toda precisão em que grupo o paciente está: indolente, possível de cura ou incuráveis. Não há métodos garantidos, mas há métodos para se aproximar de uma resposta e chegar com um pouco mais de certeza a definir em qual desses três grupos está o paciente.

Por isso é importante fazer o exame de toque e o PSA?

Dizer que eles não devem fazer toque é absolutamente precipitado. O que se deve dizer é que temos dúvidas, existem casos que não precisam ser tratados e o rastreamento ajuda, mas não há certeza. Enquanto essas questões não forem respondidas, todos os homens têm o direito e devem saber se têm ou não um tumor de próstata. E procurando e discutindo com seu médico eles poderão saber se o tumor é provavelmente indolente, significativo ou não. Devem ser orientados para, uma vez diagnosticado o problema, discutirem intensamente com os médicos se precisam ou não de tratamento, procurar uma segunda opinião, para tomar uma decisão que vai definir o destino da vida deles. Falar que não deve fazer é ignorar e fingir que o problema não existe. Tem um sem-número de homens que conseguiram tratar e hoje levam uma vida normal e saudável. A verdadeira mensagem que deveríamos dar é essa: há tumores não importantes, tratar vai beneficiar um grupo e não todos, cada homem deve procurar saber se tem câncer ou não, e conversando com o médico e com uma segunda opinião, decidir se seu caso deve ser tratado.

O rastreamento como política pública é indicado?

Como política pública, para todos os homens fazerem os exames e os tratamentos necessários custaria R$ 6 milhões ao ano, isso a preço de valores pagos pelo SUS. É algo inviável para um País com pouco dinheiro destinado à saúde. Talvez não seja certo exigir que o governo banque esse rastreamento, mas que fizesse uma campanha de educação e estimulasse cada brasileiro que tem recursos a procurar ajuda própria. Caberia ao governo assistir os homens que dependessem do SUS. O governo poderia também estimular as grandes empresas a zelarem pelos seus homens, a instituições públicas a patrocinarem esses programas, porque o exame deve ser feito. E os dois tipos. Quando se faz só o PSA, escapam do diagnóstico 25% dos casos. Se fizer só o exame de toque escapam 50%. Se fizer os dois juntos, escapam apenas 8%. Por isso o rastreamento deve ser feito com os dois métodos.

Como as campanhas poderiam ser feitas?

Dois terços dos homens que fazem rastreamento são trazidos pelas mulheres, que têm sentido de preservação da família muito mais forte. Elas são muito mais pragmáticas e querem o homem saudável. Já eles têm sentimentos de invulnerabilidade. Campanhas de educação devem ser focadas também nas mulheres. Elas representam estímulo forte para que os homens façam esse rastreamento e são ignoradas.