Título: É uma espécie de cavalo de Tróia
Autor: Gobetti, Sérgio
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2008, Nacional, p. A4

Atentado em série - à racionalidade, ao empresariado, ao Estado de Direito e à democracia. Esse é o raio X que o professor da Direito GV Eurico Marcos Diniz de Santi faz do projeto da reforma tributária. ¿É uma espécie de cavalo de Tróia tributário¿, diz ele, ao apontar uma brecha no texto para um ¿mensalão tributário¿. Coordenador de obra sobre direito tributário que venceu o Prêmio Jabuti de melhor livro de direito deste ano, ele conta que teve dificuldade de entender a proposta.

Qual é a análise do sr. sobre o anteprojeto de reforma tributária?

O deputado Sandro Mabel pegou a PEC 233 (encaminhada pelo governo) e outras 16, bateu no liquidificador, juntou 485 emendas complementares e veio com uma proposta que tem cerca de 372 dispositivos, ou alterações constitucionais. Isso é impensável juridicamente. É o que chamo de reforma suicida, um bolo de dispositivos jogados aleatoriamente.

Como assim?

Você pega o artigo 20, parágrafo primeiro: assegura aos Estados, Distrito Federal e municípios a participação nos resultados do petróleo do pré-sal. O que isso tem a ver com reforma? É uma coisa absurda.

O presidente Lula cobrou pressa e o governador Serra resistiu ao projeto. Quem tem mais força?

Ninguém leu o anteprojeto. Primeiro, seria impossível aprovar neste ano. Depois, o IVA só pode entrar em vigor em 1º de janeiro de 2011. Que relevância tem para enfrentar a crise? Já o ICMS federal entrará em vigor em 2021. Não vai ser o Serra que vai sofrer o impacto da queda no ICMS, pode ser o PT, até Lula, que pode ser governador. Começa a parecer que esse engodo de reforma é uma artimanha eleitoral.

Houve discussão sobre esse projeto com especialistas da área?

Fui em uma dessas reuniões, da PEC 242, e as pessoas ficam passeando na Câmara, ninguém presta atenção ao que você fala. O substitutivo do relator constitui uma espécie de cavalo de Tróia tributário. Dividi os problemas em quatro categorias: atentado à racionalidade do sistema tributário, atentado ao empresário-contribuinte, atentado ao Estado de Direito e atentado à democracia.

Atentado à racionalidade?

É muito perigoso mudar dispositivos constitucionais. Mudo a Constituição hoje, começo a entrar em discussões com o Supremo, com o STJ, que só vão se resolver daqui a 10 anos. Se eu coloco 372 novos dispositivos, crio uma pane no sistema.

Que problemas, que o sr. citou, haveria para os empresários?

Está lá: instituir o novo IVA federal sobre operações onerosas com bens ou serviços. O que é operação onerosa? É tudo. É uma carta em branco. Depois, as modificações serão feitas por lei ordinária, com maioria simples. Com 180 gatos pingados aprova-se a lei que vai definir qual é o fato gerador e a alíquota. O Congresso fará o que quiser.

O que mais o sr. constatou?

Problema com Estado de Direito. Vejo aqui, no artigo 150, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios podem propor anistia e renúncia de tributos mediante transação. Isso é crime de lesa-pátria! Dá ensejo à possibilidade potencial de um mensalão tributário. Fica fácil: estou devendo, pago uma parte, colaboro com o caixa da campanha e ainda tenho lucro.

Qual é a ameaça à democracia?

É um debate hermético, para humilhar não-iniciados. Estou lendo o projeto e não consigo entender. Uma proposta séria, democrática, deveríamos entender. Cada alteração deveria ter justificativa. Reforma não é um projeto, é processo paulatino. E não precisa fazer por emenda constitucional.