Título: Concessões de relator ajudaram a adiar reforma
Autor: Gobetti, Sérgio
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2008, Nacional, p. A4

As concessões realizadas pelo relator da reforma tributária, Sandro Mabel (PL-GO), para tentar ampliar o apoio às mudanças constitucionais contribuíram para atolar a perspectiva de aprovação da emenda constitucional. Os benefícios acomodados no relatório produziram um efeito contrário ao esperado, com o acirramento de conflitos entre os setores beneficiados. Empresários, governadores e prefeitos se digladiaram nos bastidores por causa das alterações realizadas (ou prometidas) no texto para atender a um setor, que acabam gerando a ira dos outros. Resultado: contra a vontade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a própria base aliada paralisou a análise da reforma, prometendo retomar as negociações em março de 2009.

O episódio mais ilustrativo desses conflitos ocorreu depois que o relator decidiu modificar o texto da Constituição para atender a um pedido de governadores de Estados produtores de minérios, que reclamavam do baixo valor que recebiam de royalties em comparação com os Estados produtores de petróleo e energia elétrica. Para contemplar esses governadores, Mabel primeiro mudou a forma de cálculo da compensação financeira do setor de mineração - do faturamento líquido para o bruto - e depois ampliou a alíquota desses royalties de 2% para 3%. Essa segunda concessão, realizada durante a votação do relatório na comissão especial, gerou uma reação nos bastidores da Companhia Vale do Rio Doce e dos principais líderes do empresariado nacional, o mesmo que vinha até pouco tempo atrás aplaudindo a reforma tributária pelas medidas de desoneração.

EUFEMISMO

Os industriais também se dividiram por causa de uma modificação de última hora feita para atender o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung: a inclusão das atividades portuárias entre as que terão seus incentivos fiscais validados constitucionalmente até 2021. O termo ¿portuária¿ é um eufemismo para o incentivo que o governo capixaba concede às importações que entram no Brasil pelo novo porto de Vitória.

Para muitos empresários, esse benefício é sinônimo de matérias-primas mais baratas, para outros (produtores de semelhantes nacionais) nada mais é do que uma forma de concorrência predatória e à custa do erário.

No geral, porém, o empresariado também teve várias de suas demandas contempladas pelo relator, principalmente com garantias no texto da Constituição sobre a redução do prazo de aproveitamento dos créditos de bens de capital e do prazo para entrada em vigor do direito de receber de volta o imposto pago sobre os chamados bens de uso.

Os governadores queriam definir essas regras apenas em lei complementar, mas Mabel insistiu em amarrar algumas delas no texto constitucional. É o caso, por exemplo, da desoneração progressiva da folha de pagamento. Entre 2011 e 2016, a alíquota patronal deve ser reduzida em 1 ponto porcentual ao ano. E em 2017 entra em vigor o crédito dos bens de uso e consumo, que os empresários queriam de imediato. ¿A indústria nunca foi tão bem atendida como no meu relatório, mas reforma tributária é assim: todo mundo quer mais¿, queixa-se o relator.

Mabel admite que teve de fazer algumas concessões por fora da própria estrutura central da reforma tributária para atender à reivindicação de determinadas bancadas, mas diz que foram poucas. ¿Tudo que entrou no texto foi para ajudar¿, afirma. Segundo ele, o aumento dos royalties sobre minério iria entrar em discussão de qualquer forma na votação da reforma, porque é o que defendem bancadas importantes, como a de Minas. ¿Se eu não incluísse os 3% no meu relatório, era capaz de colocarem na votação algo pior, uma alíquota de até 5%, como a dos royalties de petróleo.¿

SERRA

O relator reclamou da ação do governador de São Paulo, José Serra (PSDB). Argumentou que o tucano decidiu politizar o debate da reforma tributária por não ter interesse na sua aprovação. ¿A cada novo ataque do Serra, preciso plantar uma nova bolinha nessa árvore de Natal¿, comparou Mabel, referindo-se às concessões que precisou fazer no texto da reforma tributária, ainda na fase de negociação, para agradar a tão distintos setores.