Título: Paquistão tenta desafiar radicais
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2008, Internacional, p. A14

As evidências cada vez mais substanciais de ligação entre os ataques terroristas em Mumbai e um grupo militante paquistanês constituem um duro teste para o novo governo do Paquistão, levantando dúvidas quanto a sua capacidade e disposição de combater tal militância.

O presidente paquistanês, Asif Ali Zardari, afirma que não há provas do envolvimento de seu país e funcionários americanos não estabeleceram um vínculo direto com seu governo. No entanto, ontem, durante a visita da secretária de Estado Condoleezza Rice, cresceram as pressões para que ele aja com firmeza contra o grupo Lashkar-i-Taiba, que, segundo autoridades indianas e americanas, foi o autor dos ataques.

Embora tenha sido oficialmente banido, o grupo, que age abertamente há anos, tem uma longa história de vínculos com as agências de inteligência paquistanesas. De acordo com funcionário de serviços secretos ocidentais, o Lashkar foi criado em 1989 com ajuda da agência de inteligência oficial ISI, tendo Mohammad Hafeez Saeed como principal colaborador.

Agora, as provas de que o grupo realizou os ataques em Mumbai estão se avolumando. Segundo a polícia indiana, o único terrorista que sobreviveu, Ajmal Amir Kasab, 21 anos, revelou que treinou por um ano e meio em quatro campos no Paquistão. Em um deles, conheceu Saeed, considerado hoje o líder do Lashkar-i-Taiba.

Muitas das acusações contra o Lashkar surgiram dos trabalhos de investigadores da Índia, que há muito tempo está em atrito com o Paquistão. Os EUA, assim como a Índia, têm interesse em eliminar os grupos militantes paquistaneses, que representam uma ameaça para seus soldados no Afeganistão.

Saeed, de 63 anos, mora em um complexo vizinho de uma mesquita, em uma rua comercial. Uma tabuleta na porta diz ¿Centro de Qadsisiyah¿, referindo-se, orgulhosamente, ao lugar em que os árabes derrotaram os persas no século 7º.

Um porta-voz de Saeed desmentiu, na quarta-feira, que ele esteja envolvido nos ataques e disse que a exigência indiana para que ele seja entregue - juntamente com outros 19 suspeitos - não passa de ¿propaganda¿. ¿A Índia quer Saeed porque ele denuncia os problemas na Caxemira, principalmente o da interrupção do fornecimento de água¿, disse o porta-voz.

Para o público, o representante oficial do Lashkar, Jamaat-ud-Dawa, é um homem admirável, que dirige escolas e instituições de caridade islâmicas e mantém um câmpus de 303 mil metros quadrados, 24 quilômetros ao norte de Lahore, no Paquistão.

Atualmente, o Lashkar, cujo nome significa ¿Exército dos Puros¿, opera abertamente em Lahore. O grupo, antes concentrado na Caxemira, já expandiu sua área de atuação para regiões tribais do Paquistão e está determinado a participar de uma jihad global, segundo a fontes de inteligência ocidental. Os ataques de Mumbai, que tinham estrangeiros como alvos, aparentemente se enquadram nessas novas metas.

Até onde vai o relacionamento entre o Lashkar e o ISI é tema de intenso debate. No Paquistão, os críticos do ISI garantem que o serviço secreto paquistanês continua protegendo o grupo. Embora tenha sido criado como força paralela para combater os indianos na Caxemira, o Lashkar tornou-se um grupo transnacional. Hoje, tem células em Bangladesh, Afeganistão e nas áreas tribais do Paquistão. Alguns de seus combatentes estão presentes até mesmo no Iraque.

Não se sabe ao certo até que ponto o grupo é influenciado pela Al-Qaeda. ¿Não estamos afirmando que exista uma ajuda direta, mas não podemos esquecer que existe um aprendizado corrente, uma emulação, existem influências e contatos de algum tipo¿, declarou recentemente um alto funcionário do governo americano.

*Jane Perlez é correspondente no Paquistão e Somini Sengupta é correspondente na Índia