Título: Efeitos da LRF
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2008, Notas & Informações, p. A3

Foram muitas as queixas e os temores manifestados por administradores públicos quando se aprovou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Dizia-se que os limites e os critérios mais rigorosos para a utilização do dinheiro público estabelecidos pela Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, engessariam a administração e impediriam a execução de programas essenciais para o bem-estar da população. Passados oito anos, os resultados da aplicação da lei mostram que nada disso aconteceu. Os serviços públicos continuam sendo prestados, o contribuinte vê que o imposto que pagou é aplicado com mais critério, responsabilidade e eficiência e o desequilíbrio das contas estaduais e municipais já não é uma doença crônica.

Hoje, apenas três capitais estaduais não respeitam um dos vários limites fixados pela LRF, como mostrou reportagem de Guilherme Scarance, publicada segunda-feira passada pelo Estado, e são casos que podem ser considerados excepcionais. A grande maioria das capitais estaduais, com a ajuda da boa arrecadação tributária dos últimos anos, adaptou-se, até com bastante folga, às regras da lei - o que também aconteceu na maioria dos Estados e municípios.

São provas concretas dos efeitos positivos da legislação que impôs aos gestores de recursos públicos regras de austeridade, cujo descumprimento os sujeita a penas variadas, que vão da inabilitação para o exercício de funções públicas a pagamento de multa e prisão.

A lei foi proposta após a conclusão de uma grande renegociação, pelo governo federal, de dívidas de Estados e municípios. Nos anos anteriores, para iniciar obras de cunho eleitoreiro e admitir funcionários no período que antecedia as eleições, governadores e prefeitos contrataram dívidas vultosas, produzindo grandes déficits e deixando pesados encargos financeiros para seus sucessores. Para evitar a repetição desses fatos, o governo FHC propôs uma legislação que limitava o endividamento e os gastos com pessoal dos governos regionais e locais.

Para os municípios, a LRF - complementada por resolução do Senado - estabeleceu que os gastos com pessoal não podem superar 54% da receita corrente líquida, a dívida consolidada não pode ser maior do que 120% da mesma receita e as operações de crédito devem limitar-se a 16% dela. Havia algumas exceções que precisavam ser consideradas. A mais notória era - e continua sendo, como mostra a reportagem citada - a do Município de São Paulo. Nos anos que antecederam a aprovação da LRF, a Prefeitura paulistana aumentou extraordinariamente sua dívida - inclusive com a emissão ilegal de precatórios.

No fim de 2001, primeiro ano completo de vigência da LRF, a dívida consolidada de São Paulo correspondia a 193% da receita corrente líquida, com excesso de 73% sobre o limite legal. Sete anos depois, no segundo quadrimestre de 2008, a dívida representava 196,08% da receita líquida. Não se pode, porém, atribuir essa piora à contratação de novas dívidas pela Prefeitura. De acordo com as regras da renegociação da dívida paulistana, a Prefeitura deveria quitar 20% do valor da dívida até junho de 2002; se não o fizesse, passaria a pagar juros mais altos. Até então, o custo da dívida era correspondente à variação do IGP-DI mais 6% ao ano; caso o pagamento não fosse feito, o custo passaria a ser de IGP-DI mais 9%. A administração de Marta Suplicy optou por não pagar.

Como o pagamento máximo anual não deve ultrapassar determinada fatia da receita, durante alguns anos a amortização foi menor do que o aumento do saldo devedor decorrente dos novos critérios para sua correção. A dívida passou a crescer, até alcançar 246,45% no fim de 2004. Ela continua muito alta, mas, nos últimos quatro anos, foi reduzida para 196,08% da receita líquida.

Mais difícil de explicar é o aumento dos gastos com pessoal da prefeitura de Goiânia, que passaram de 52,05% da receita líquida em 2004 para 73,58% em 2008. A administração goianense alega que essa conta inclui despesas empenhadas que só serão pagas no fim do exercício, de modo que - garante -, em 31 de dezembro, os gastos estarão dentro dos limites legais.