Título: Diplomacia desastrada
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/12/2008, Notas & Informações, p. A3
Diante da ameaça de um calote coletivo, ensaiado pelos governos de Equador, Venezuela, Bolívia e Paraguai, as autoridades brasileiras decidiram enfim reagir e fazer uma advertência aos hermanos: não haverá mais financiamento para quem contesta as dívidas com os bancos oficiais do País. O Brasil, como explicou o chanceler Celso Amorim em audiência na Câmara dos Deputados, fez da concessão de empréstimos pelo BNDES uma ferramenta para a integração física da região. Fez porque não reconheceu a fragilidade dessa construção diplomática baseada numa virtual identidade política com governos populistas que agora revelam que vêem o Brasil como o ¿império do Sul¿ - a potência colonial regional que precisa ser combatida. Esse diagnóstico não é novo, mas se exacerba no momento em que nosso papel no cenário internacional ganha importância inédita.
A reação do Itamaraty a essa atitude inamistosa demorou. A diplomacia brasileira só começou a abandonar o tom morno e conciliador, em geral adotado como resposta aos desaforos dos vizinhos, quando o presidente equatoriano, Rafael Correa, expulsou a Construtora Norberto Odebrecht e a companhia Furnas. A linguagem ficou mais dura quando Correa, pouco tempo depois, decidiu submeter a um tribunal de arbitragem a dívida equatoriana com o BNDES. O embaixador em Quito foi chamado a Brasília e com esse gesto o governo brasileiro deixou clara a irritação causada pela atitude de Correa.
Na semana passada, em Caracas, Correa pediu apoio ao presidente Hugo Chávez, da Venezuela, e aos colegas de vários países da América do Sul e da América Central. Pedido desnecessário. Mais do que apoio retórico, o presidente do Equador já tem a seu lado os governos da Venezuela, da Bolívia e do Paraguai, igualmente empenhados em realizar auditorias da dívida externa para contestar as parcelas por eles consideradas ¿ilegítimas¿. O Brasil é um evidente candidato ao calote.
Não há nenhuma surpresa no rumo tomado por esses governantes populistas. Ao enviar tropas para ocupar instalações da Petrobrás, em 2006, o presidente boliviano sinalizava o que viria a seguir. Ao anunciar a auditoria da dívida externa, o novo presidente do Paraguai segue o mesmo curso - mas o grande objetivo de seu governo, em relação ao Brasil, é mudar o acordo de Itaipu. Já o presidente Hugo Chávez, como informou o chanceler Celso Amorim, deu uma resposta vaga à indagação do Itamaraty sobre uma eventual revisão da dívida externa venezuelana.
Em toda essa história, o único dado realmente espantoso é a sucessão de erros da diplomacia brasileira. Ninguém poderia esperar grande coisa de uma política externa influenciada pelos assessores do presidente Lula para assuntos internacionais, mas até as previsões mais pessimistas foram superadas. A escolha de uma grotesca política terceiro-mundista era previsível, mas a insistência nos erros e a extensão das tolices cometidas foram muito além da imaginação.
Nenhum dos ¿aliados estratégicos¿ escolhidos pelo presidente Lula, no seu projeto megalópico de liderar o Sul contra o Norte, dedicou ao Brasil a mínima reciprocidade em termos de atenções diplomáticas e comerciais. Nem os nossos colegas do Bric, nem nossos vizinhos sul-americanos. Aqui, com os hermanos, o governo brasileiro decidiu, em nome de uma liderança regional puramente fantasiosa, engolir todos os desaforos e conceder a todos os parceiros os maiores benefícios em quaisquer entendimentos comerciais. Aceitou, por exemplo, o protecionismo argentino e, além disso, induziu o empresariado nacional a se acomodar às barreiras impostas pelo vizinho. Confundiu parceria e cooperação com passividade em face das imposições mais descabidas. E a defesa dos legítimos interesses nacionais foi substituída pelo apoio a governos populistas cuja consolidação, na visão da diplomacia petista, beneficiaria o Brasil. O resultado é a aliança contra a ¿potência colonial¿.
Não é fácil escolher a obra-prima das tolices cometidas desde janeiro de 2003. Mas um dos feitos mais notáveis foi certamente o empréstimo de uma funcionária da Receita Federal para ajudar o governo equatoriano na auditoria da dívida externa.
O presidente Lula ainda tem dois anos de mandato. Se tiver aprendido algo com todos esses vexames, dispensará os conselhos de seus auxiliares mais desastrados. Mas não é provável.