Título: Com cerco ao caixa 2, campanhas recorrem a mais doações ocultas
Autor: Oliveira Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/12/2008, Nacional, p. A4

O aumento da fiscalização por parte da Justiça Eleitoral e pressões da sociedade para inibir o caixa 2 nas campanhas levaram partidos a buscar uma nova forma de assegurar o dinheiro no caixa durante uma eleição, sem expor seus doadores. Muitas vezes a pedido de empresas e pessoas interessadas em financiar candidaturas, as siglas tornaram corriqueira a prática de receber doações em seu próprio caixa e, somente então, repassá-las ao candidato.

Permitidas por uma brecha na lei, as chamadas doações ocultas interferem na transparência das prestações de contas. Ao contribuir por meio do partido, o doador fica livre de ter seu nome na relação de contribuintes apresentada à Justiça Eleitoral pelo candidato ou pelo comitê financeiro da campanha. Em seu lugar, aparece o nome do partido.

Dirigentes de algumas das principais siglas do País admitem que a prática foi impulsionada pelo escândalo do mensalão, que expôs em 2005 o esquema de financiamento irregular protagonizado pelo PT e o empresário Marcos Valério. Antes, dizem eles, empresas que queriam contribuir sem ter seu nome atrelado à campanha o faziam pelo caixa 2. Com o aumento da fiscalização, a saída passou a ser a doação via partido.

Por esse modelo, o nome do doador só vem a público na prestação de contas da sigla, feita anualmente em abril. Mesmo que um eleitor tente vasculhar as contas partidárias em busca de doadores, será difícil ou até impossível identificar quanto foi destinado a qual candidato. Mais grave é o fato de o sistema impedir que se saiba ao certo se foram respeitados limites legais para doações, de 2% da renda bruta para pessoa jurídica e 10% de pessoa física.

Nos Estados Unidos, onde as doações aos candidatos têm um teto e são monitoradas por um órgão federal, há uma brecha praticamente igual à brasileira: contribuições vultosas a partidos acabam sendo usadas para pagar despesas de campanha.

CONTAS

No maior colégio eleitoral do País, as doações ocultas explodiram nos últimos anos. Análise da prestação de contas das quatro maiores campanhas da última corrida municipal em São Paulo mostra que 53% das doações foram feitas em nome dos partidos. Foram R$ 42,9 milhões, de uma arrecadação somada de R$ 81 milhões.

Em 2004, as doações em nome de partidos ficaram em apenas 9,28% da arrecadação declarada por candidatos e comitês. Foram R$ 2,954 milhões, sobre uma receita combinada de R$ 31,826 milhões.

Os valores de 2008 consideram o conjunto das prestações de contas dos quatro primeiros colocados e dos comitês únicos ou para prefeito criados pelas siglas. Para evitar que os mesmos recursos entrassem mais de uma vez na conta, foi descontado da soma das arrecadações o valor das doações atribuídas ao comitê na prestação do candidato.

Apesar de os valores servirem de indicativo para a quantidade de doações ocultas, o montante real pode ser ainda maior. Isso porque o levantamento não analisou repasses dos comitês de vereadores, siglas aliadas ou outros candidatos.

Entre as quatro maiores campanhas, a do PP do deputado Paulo Maluf (SP) foi a que mais utilizou o mecanismo, se analisada a proporção das doações sobre a arrecadação. Uma fatia de 59,7% da receita de R$ 1,4 milhão do candidato e do comitê único foi doada pelo PP. Em seguida, vem o PT, que lançou a ex-ministra Marta Suplicy, com 56,7% da arrecadação da candidata e do comitê para prefeito. Foram R$ 14,5 milhões, de um total de R$ 25,5 milhões.

O PSDB do ex-governador Geraldo Alckmin registrou R$ 9,3 milhões doados em nome do partido ao comitê para prefeito e ao candidato. O montante equivale a 54,2% da arrecadação de R$ 17,2 milhões. O DEM, partido do prefeito reeleito Gilberto Kassab, ficou em último pela porcentagem das doações na arrecadação. Mas o valor absoluto das contribuições foi alto. Foram repassados pelo DEM a Kassab e ao comitê único R$ 18,2 milhões, 49,53% da receita de R$ 36,8 milhões.

Na eleição de 2004, apenas os dois partidos que disputaram o segundo turno - o PSDB, que lançou o hoje governador José Serra, e o PT, também nesse caso com Marta Suplicy - contabilizaram esse tipo de doação oculta, quando analisadas as quatro maiores campanhas. No PSDB, elas totalizaram R$ 1,02 milhão. No PT, R$ 1,93 milhão.