Título: Preservação gera lucro no AM
Autor: Escobar, Herton
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/12/2008, Vida &, p. A22

A professora Deise dos Santos Buzaglo, de 29 anos, viu a internet pela primeira vez no mês passado. O local da conexão era no mínimo improvável: uma sala de aula recém-construída com madeiras nobres à beira do Rio Aripuanã, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma, no meio da selva amazonense.

Deise mantém os olhos fixos no monitor - uma tela de cristal líquido, de 42 polegadas - enquanto um funcionário prepara o equipamento. ¿O que você quer aprender na internet?¿, pergunto a ela. ¿Tudo que for possível¿, responde a professora.

Um aglomerado de crianças também observa tudo do fundo da sala, meio hipnotizadas, até que a imagem de uma pessoa aparece na tela do Skype, dando tchauzinho de Manaus, a 230 quilômetros de distância. A maioria delas nunca tinha ouvido falar da internet. Muito menos de aquecimento global ou de créditos de carbono. Mas é graças a isso que a tela de cristal brilha diante delas, conectada ao mundo por uma antena parabólica do lado de fora, próxima ao escorregador e às gangorras.

Enquanto cientistas e diplomatas engravatados discutem o futuro climático do planeta na conferência de Poznan, na Polônia, a criançada suada e descalça do Juma (no município de Novo Aripuanã) se diverte no parquinho, construído com recursos oriundos de um projeto de créditos de carbono. A contrapartida é que seus pais se comprometem a não derrubar mais a floresta para fazer roça - evitando, com isso, que milhares de toneladas de carbono sejam lançadas na atmosfera.

Segundo a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), trata-se do primeiro projeto certificado brasileiro de Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação (REDD), que é um dos pontos cruciais nas negociações do acordo climático que vai substituir o Protocolo de Kyoto.

A história do projeto começa com o Bolsa-Floresta, um programa lançado em 2007 pelo governo do Amazonas que dá assistência financeira a famílias e comunidades que se comprometem a não desmatar. Com base nesse compromisso, estima-se que 366 mil hectares de floresta deixarão de ser desmatados na reserva do Juma até 2050.

Convertido para carbono, isso significa que 210 milhões de toneladas de CO2 deixarão de ser lançadas na atmosfera neste período. A metodologia e os cálculos foram certificados pela auditora alemã Tuv Sud e validados nos padrões da Climate Community and Biodiversity Alliance.

O projeto atraiu a atenção da rede de hotéis Marriott, que vai investir US$ 2 milhões nos próximos quatro anos em obras para melhorar a qualidade de vida na reserva (como a escola de Deise). Em troca, terá preferência na compra dos créditos de carbono. Além disso, campanha global vai incentivar os hóspedes a doar US$ 1 por noite ao projeto, como forma de compensar as emissões de carbono da estadia. Com 500 mil leitos e 80% de ocupação, a campanha pode arrecadar US$ 400 mil/dia.