Título: Nosso maior problema é o câmbio
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/12/2008, Economia, p. B7
A volatilidade do dólar tem posto em xeque o sistema de câmbio flutuante adotado pelo Brasil, segundo afirma ao Estado, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade de Campinas. Para ele, esse é hoje o maior problema brasileiro, pois limita a capacidade do governo de fazer uma forte política anticíclica. Com mais gastos públicos, na tentativa de manter um nível de atividade maior, o déficit externo do País aumentará e não haverá condições de financiá-lo. Em função disso, haverá uma desvalorização adicional da moeda. ¿O Brasil precisa proteger a sua moeda e estabilizá-la para ter condições de fazer uma política anticíclica.¿
Belluzzo avalia que o novo foco da crise passou a ser a solvência das empresas, que serão afetadas pela redução do nível de atividade, do emprego e da renda. Nesse novo quadro, muitas não terão condições de honrar compromissos, o que poderá, novamente, rebater nos bancos. A seguir, trechos da entrevista:
Estamos entrando numa segunda fase da crise internacional, em que a economia real passa a sofrer?
É um pouco isso. Mas eu acho que a crise financeira não esgotou toda a sua potencialidade. Na medida em que a economia vai apresentando queda do nível de atividade, do emprego e da renda, o foco passa a ser a solvência das empresas. Muitas delas encontrarão dificuldades para saldar seus débitos por causa da queda do faturamento, da demanda. E isso rebate de volta nos bancos. As montadoras americanas, por exemplo, já vinham com dificuldades, mas a crise agravou a situação financeira e patrimonial delas. As dificuldades das montadoras criarão problemas para o resto da economia, por causa do peso delas na cadeia produtiva. As repercussões serão também sobre o setor financeiro. Por isso, o governo americano não pode deixar de socorrê-las.
Entramos, então, numa outra fase, em que a crise passou a afetar a economia real, o que poderá rebater novamente nos bancos?
É isso. Por essa razão, a ação do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e do Tesouro americano tem sido tão excepcional, tão heterodoxa. O Fed está expandindo o seu balanço para absorver títulos de dívida ilíquidos, tudo o que possa ser monetizado. É claro que isso é uma situação excepcional e tem muita gente preocupada com os efeitos inflacionários (dessa atuação do Fed). Mas isso é lá na frente, pois no momento atual, com essa desaceleração que parece muito forte, o efeito é mais de deflação do que de inflação.
Poderemos ter uma recessão com deflação?
O que estamos observando agora (nos países desenvolvidos) é uma retração violenta da atividade econômica, uma recessão e uma probabilidade de deflação. Os preços das commodities estão tendo um comportamento deflacionário e, ao mesmo tempo, a capacidade produtiva, que cresceu muito nos últimos anos, não pode ser eliminada da noite para o dia, o que vai pressionar muito os preços dos bens para baixo.
Hoje, já se tem recessão nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. Qual é a perspectiva da China?
O peso das exportações no PIB chinês é muito elevado. Com a retração do comércio mundial, haverá um impacto lá muito maior do que aqui. Mas a China tem espaço para fazer política fiscal e política anticíclica com muita desenvoltura. O yuan foi a única moeda de país emergente que não se desvalorizou. Eles têm essa vantagem.
A nossa desvantagem é o câmbio flutuante?
Não é bem o câmbio flutuante. A questão é que, numa situação como esta, o sistema de câmbio flutuante não protege o País de uma desvalorização abrupta, como estamos observando agora. O problema é a volatilidade. Como as empresas têm de projetar as suas vidas em longo prazo, têm de comprar e vender em dólar e em real, necessitam de maior estabilidade cambial. O País precisa de um câmbio mais estável, ainda que flexível. A idéia de que em qualquer circunstância um país pode ter vantagens com o câmbio flutuante não é verdadeira. Países com situações fiscais e monetárias diferentes estão tendo pressões sobre o câmbio e isso decorre da imperfeição do atual arranjo monetário internacional.
Não é razoável ter uma desvalorização de mais de 40% em dois meses, como o real sofreu?
Não é mesmo. Não é aceitável, quando se olha os fundamentos da economia brasileira. Essa desvalorização tem a ver com outros fatores. As pessoas estão correndo para a liquidez universal, ou seja, para o dólar. E isso não é uma anomalia, está implícito na forma de operação do sistema monetário. Mas já houve um passo positivo, quando o Fed fez o swap de moedas. Isso precisa se tornar permanente, para impedir flutuações cambiais absurdas.
Muitos já projetam crescimento negativo do PIB brasileiro no último trimestre e no primeiro trimestre de 2009. O que o senhor acha?
Isso é possível, embora não seja desejável. O governo precisa agir muito rápido. O governo tomou as medidas necessárias para restabelecer o crédito, mas era preciso ter dado garantia aos bancos, como fez o Fed. O Fed interferiu diretamente no mercado de commercial papers para proteger o capital de giro das empresas. Desde o início da crise, muita gente observou que era preciso que o BC desse garantias aos empréstimos feitos pelos bancos porque senão o crédito não iria fluir. Os bancos brasileiros estão melhores do que os bancos americanos. Mas a ruptura das expectativas causou uma retração do crédito interno muito forte. Além disso, a supressão do crédito externo tirou funding dos bancos e de muitas empresas grandes.
Os bancos não estão empoçando o dinheiro somente porque querem obter mais vantagens na crise?
Não, evidentemente que não. É um problema de crise de confiança. Quando olha para frente e vê a possibilidade grande de uma contração rápida da economia, o banco muda também rapidamente a sua perspectiva. Então, faltou essa ação mais enérgica do Banco Central brasileiro.
O que esperar daqui para frente?
O Brasil não pode se acomodar a essa crise e achar que os seus efeitos são inevitáveis. O nosso maior problema hoje é o câmbio, decorrente do choque externo. É um problema na medida em que ele limita a possibilidade do governo fazer uma forte política anticíclica. Uma crise dessa magnitude e dessa natureza se transforma rapidamente numa crise monetária, cambial. O País precisa proteger a sua moeda e estabilizá-la para ter condições de fazer uma política anticíclica.
O senhor quer dizer que uma política anticíclica poderá levar a uma maior desvalorização do real?
Exato. Isso ocorreria porque, com os gastos públicos, o País manteria um nível de atividade maior e haveria um déficit em conta corrente maior. O problema é que não existe financiamento externo (para o aumento do déficit).
O que se pode fazer para amenizar esse problema?
Vamos pensar na melhor hipótese, que é a criação de um mecanismo de financiamento externo emergencial. Com isso, os países emergentes teriam espaço até mesmo para registrar déficit externo, o que poderia ser desejável na atual situação, pois ajudaria a ativar as economias dos países desenvolvidos. Essa seria uma solução racional. Caso não seja adotada uma gestão coordenada do problema, a tendência natural é que os países se protejam e aumentem o protecionismo.
É inevitável que o Brasil aumente um pouco seu déficit externo para sustentar a economia?
Acho que o importante é tomar medidas para impedir que um déficit maior leve a uma desvalorização adicional do real e agrave a desaceleração da economia.
Mas, nessa hipótese, o Brasil teria de adotar uma política cambial diferente.
É. Seria preciso ter uma política de câmbio adequada à situação que estamos vivendo.
Ou seja, a excessiva volatilidade do câmbio coloca em xeque o próprio sistema de câmbio flutuante?
Poderá levar o País a questionar o regime cambial que tem. Nessas ocasiões, há o risco de se coibir a livre movimentação de capitais, a abertura comercial. Tudo isso será questionado na medida em que não se conseguir manter o câmbio sob controle. Estou falando de uma situação de estresse agudo. Na ausência de uma ação articulada global, é preciso levar em consideração a hipótese de que os países poderão adotar práticas da década de 1930, com controles cambiais. Mas o clima hoje é melhor do que naquela época, pois o mundo está mais propício a adotar soluções coordenadas. Se houver protecionismo e controle cambial em todo lugar, teremos um desastre global.
Com a desaceleração da economia, é razoável reduzir os juros?
A redução do juro é quase uma obrigação diante do cenário que está se desenhando.
Mas o BC está preocupado com o repasse da desvalorização do real para os preços.
Se a desaceleração da economia for da magnitude que está se desenhando e se for rápida, ninguém vai conseguir fazer repasse. O empresário vai dar é desconto.