Título: O Brasil na Conferência de Poznan
Autor: Goldemberg, José
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/12/2008, Espaço Aberto, p. A2

Acaba de se encerrar em Poznan, na Polônia, a meio caminho entre Berlim e Varsóvia, a 14ª reunião dos países signatários da Convenção do Clima. Estas reuniões ocorrem todos os anos, com a finalidade de definir as medidas a serem tomadas pelos diversos países com o objetivo de ¿proteger o sistema climático para o presente e as futuras gerações¿. Em 1997 ela adotou o Protocolo de Kyoto, que fixou metas obrigatórias, para os países industrializados, de redução das emissões dos gases responsáveis pelo efeito estufa, a serem cumpridas até 2012.

Apesar de estas metas não terem sido cumpridas por vários países, há uma enorme pressão para adotar outras ainda mais rigorosas na próxima conferência, a se realizar em Copenhague (Dinamarca) em dezembro de 2009. A Conferência de Poznan foi preparatória para a de Copenhague e apreciou os progressos feitos pelos diversos países nos últimos anos e quais as ações que estão implementando (ou pretendem adotar) para ¿proteger o sistema climático¿.

Cada país emite quantidades diferentes de gases de efeito estufa, dependendo da sua população, do seu estágio de desenvolvimento econômico, do tipo de combustível que usa e do desmatamento que ocorre dentro do seu território. Os dez maiores emissores, pela ordem, são Estados Unidos, China, Indonésia, Rússia, Brasil, Japão, Índia, Alemanha, Canadá e Inglaterra, que representam dois terços de todas as emissões mundiais. A responsabilidade de reduzir as emissões pode ser diferente, mas não é possível aceitar que qualquer país se escuse de fazê-lo, porque com isso prejudica não só os outros, como a si mesmo.

O Protocolo de Kyoto, porém, foi ao extremo de isentar os países em desenvolvimento de reduzirem suas emissões. Essa decisão tomada em Kyoto se revelou desastrada. Por causa dela os Estados Unidos (responsáveis por 25% das emissões mundiais) se mantiveram fora do protocolo, usando o argumento de que teriam de arcar com custos muito elevados para cumpri-lo, prejudicando com isso a competitividade americana no comércio internacional. Além disso, argumentaram que estão subsidiando desenvolvimentos tecnológicos que resolverão o problema, o que claramente não ocorreu até agora: suas emissões aumentaram 20% entre 1990 e o ano 2000. As da China aumentaram 39% no mesmo período e respondem também por 25% das emissões mundiais (tanto quanto os Estados Unidos). A China justifica-se usando o argumento de que o país é subdesenvolvido e precisa crescer. É um pouco irônico que um país como a China, que constrói bombas atômicas e lança satélites no espaço, recorra a essa justificativa. É claro que, se todos os países a usarem, os objetivos da Convenção do Clima nunca serão alcançados.

Os argumentos do governo dos Estados Unidos são equivocados e refletem a influência que os produtores de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) têm nesse país e que já foi usada para se oporem, no passado, à Lei do Ar Limpo, adotada na década de 1970.

A China, como os demais países em desenvolvimento, tem de tomar as medidas que julgar mais apropriadas para reduzir as suas emissões e abandonar a quimera de que os países ricos terão de pagar por elas. Não há nenhuma razão para que aqueles países, ao se industrializarem, não adotem tecnologias modernas e menos poluentes, evitando os erros cometidos no passado pelas nações que são hoje industrializadas. Esperar que os países ricos paguem por sua ineficiência é irrealista, mesmo porque freqüentemente o problema não é dinheiro, mas a adoção de políticas corretas.

Sob este ponto de vista, o Brasil não está tão mal situado, porque seu parque industrial é moderno e sua matriz elétrica, relativamente limpa.

O grande problema do Brasil é reduzir o desmatamento da Amazônia. É difícil entender a resistência do governo federal a adotar metas de redução, considerando os prejuízos que essa política causou não só aos próprios brasileiros, mas também à credibilidade do País no exterior, o que se reflete em menor apoio financeiro às ações necessárias.

As razões alegadas para não fazê-lo são de dois tipos:

O primeiro é o de que a preservação da Amazônia é desejada por estrangeiros como se fosse um jardim botânico, o que impediria o desenvolvimento da região;

o segundo é o de que países industrializados deveriam pagar para evitar o desmatamento das florestas, por meio de doações, e não usar um mecanismo de mercado. Nesta visão, se o ¿desmatamento evitado¿ fosse objeto de transações comerciais, os países ricos se legitimariam em continuar emitindo.

Ambos os argumentos são equivocados:

Quem mais sofrerá com o desmatamento da Amazônia não são os estrangeiros, mas todos os brasileiros, porque a mudança de clima que ele vai provocar atingirá o Nordeste e o Sudeste do País;

os países industrializados, sobretudo da Europa, já estão adotando metas severas para redução das emissões e não estão esperando que o desmatamento da Amazônia seja reduzido para fazê-lo. Além disso, os recursos necessários são muito maiores do que os disponíveis através de filantropia.

Nas vésperas da Conferência de Poznan, a posição do governo melhorou e fixou metas para a redução do desmatamento. A nova política é um passo à frente - apesar de ter sido recebida com algum ceticismo em Poznan -, mas introduziu algumas condicionantes relativas a recursos do exterior, o que é um equívoco, porque muitas das medidas necessárias são de caráter administrativo, e não financeiro.

O que será preciso agora é se certificar de que essas metas de redução serão, de fato, atingidas.

José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo