Título: Quadrilha de magistrados
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/12/2008, Notas & Informações, p. A3

Se se tratasse de uma comédia o público acharia forçada, inverossímil: o presidente de um Tribunal de Justiça (TJ) - portanto, a mais alta autoridade do Poder Judiciário de um Estado - está para comparecer, à tarde, a uma solenidade em que receberia da associação estadual do Ministério Público medalha por serviços prestados no combate à corrupção. Mas o magistrado não pode comparecer à cerimônia por impedimento incontornável. Naquela manhã ele havia sido preso... por corrupção. Mas essa não é uma cena de chanchada. É a triste realidade moral da Justiça do Estado do Espírito Santo, algo que parece ultrapassar todas as medidas de destruição de valores éticos e públicos.

A Polícia Federal (PF) desarticulou no Espírito Santo, com sua Operação Naufrágio - desta vez nome bem apropriado -, o que considera uma quadrilha comandada por magistrados, acusada de venda de sentenças e crimes contra a administração pública. Na operação foram presas oito pessoas, entre as quais o presidente do TJ, desembargador Frederico Guilherme Pimentel, e a diretora encarregada de distribuir os processos, Débora Pignaton Sarcinelli, além de outros dois desembargadores, um juiz, dois advogados e um membro do Ministério Público.

Na terça-feira a PF cumpriu mandados de busca e apreensão em 24 endereços na capital capixaba. As prisões haviam sido determinadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que desde abril investiga denúncias sobre o esquema de venda de sentenças. Essas ações foram o desdobramento da Operação Titanic, pela qual a PF desmontara um esquema de comércio ilegal de veículos importados, que envolvia Ivo Cassol Junior, filho do governador de Rondônia, Ivo Cassol. A PF teve que requisitar ao Banco do Brasil uma máquina de contagem de dinheiro (já que as cédulas eram de baixo valor) para fazer a totalização das notas encontradas na casa de um dos presos, o desembargador Elpídio José Duque. Lembre-se que Duque fora o responsável pela prisão do ex-presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo José Carlos Gratz - o que ilustra a incrível ¿circularidade¿ da corrupção capixaba.

Aliás, ainda não se sabe qual o fenômeno que tem transformado a corrupção numa verdadeira doença crônica do Estado do Espírito Santo na presente década. Em 2001 fitas gravadas por um empresário e entregues ao Ministério Público revelaram esquema de cobrança de ¿pedágios¿, dentro do governo do Estado, para liberar financiamentos e sustar cobrança de impostos. O caso obrigou o então governador José Ignácio Ferreira a demitir cinco secretários, inclusive a própria mulher, e o procurador-geral do Estado. Em 2003 o então presidente da Assembléia Legislativa, José Carlos Gratz, foi preso sob acusação de participar de esquema de distribuição de propina para os deputados e de desviar dinheiro do banco estadual. Libertado por habeas-corpus, ele voltaria a ser preso em 2004 e 2005, acusado de ser o principal chefe do crime organizado no Estado. Conseguiu habeas-corpus para permanecer livre.

Agora, na Operação Naufrágio, a PF encontrou na casa do procurador de Justiça Eliezer Siqueira de Souza - um dos alvos das buscas - nada menos do que 16 armas de uso restrito, cuja posse só é permitida às Forças Armadas ou órgãos policiais. Escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal flagraram o desembargador Josenider Varejão Tavares confessando que receberia R$ 43 mil por uma decisão judicial beneficiando um prefeito de cidade do interior que havia sido afastado do cargo. Varejão contou a um interlocutor que recebeu R$ 20 mil no dia do telefonema e que outros R$ 23 mil seriam entregues uma semana depois. Não é sem razão, pois, que a Procuradoria da República classificou o Tribunal de Justiça do Espírito Santo como um ¿balcão de negócios¿.

É evidente que os magistrados brasileiros - em sua imensa maioria honestos - são os maiores interessados em que se apure até o fim e se puna com o maior rigor essa esbórnia que compromete a imagem da Justiça. Reverter esse quadro é obrigação que transcende o Judiciário e diz respeito ao valor da Democracia no Brasil.