Título: Doutores funcionários
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2008, Espaço Aberto, p. A2

Roberto Macedo

Na quinta-feira passada, na Escola de Administração Fazendária (Esaf), em Brasília, foi realizada a entrega do 13º Prêmio Tesouro Nacional, criado pela secretaria de mesmo nome, do Ministério da Fazenda, para estudos de finanças públicas. Também serão premiados os que acessarem os estudos que disputaram o prêmio, vencedores ou não, neste e em anos passados, pois são muitos os temas abordados com profundidade, não tendo dúvida em afirmar que se trata do maior acervo de pesquisas em finanças públicas disponível no País.

Há tempos participo da comissão que decide sobre a premiação. Toma tempo e é um trabalho difícil, mas continuo a aceitar o convite porque traz a oportunidade única de examinar trabalhos atualizados e bem preparados sobre temas de indiscutível importância. Sem resolver o chamado ¿problema fiscal¿ e seus desdobramentos (entre eles, a alta carga tributária, levantada a partir de impostos cheios de distorções, e gastos em que é baixa a proporção de investimentos), fica prejudicada a solução de outros problemas macroeconômicos, como os juros elevados e o fraco crescimento da economia. Há quem ache que 5% de crescimento do PIB ¿tá¿ bom, mas isso é se contentar com pouco. Já em 2009 deveremos ficar bem abaixo disso e estaríamos em muito melhor situação se o governo tivesse poupado para investir em tempos difíceis. Este ano o prêmio homenageou Machado de Assis e um dos estudos citou esta frase dele: ¿Sou dos que pensam que a análise deve ser mais minuciosa, e porventura mais rigorosa com as composições nacionais. Só por este modo pode a reflexão instruir a inspiração.¿ Realmente muito adequada a pesquisadores em geral e, particularmente, a quem lida com finanças públicas.

Os prêmios foram dados em quatro áreas: Política Fiscal e Dívida Pública, Tópicos Especiais de Finanças Públicas, Orçamentos e Sistemas de Informação e Qualidade do Gasto Público. Vieram sem correção monetária, mas continuaram atraentes, sendo de R$ 20 mil, R$ 10 mil e R$ 5 mil para os três primeiros colocados em cada área. E há o prestígio da premiação, altamente cotado entre quadros do governo, acadêmicos, outros concorrentes e, ainda, entre os muitos familiares e amigos dos premiados, que costumam comparecer a essa solenidade.

A comissão de dez membros avaliou as 116 monografias inscritas. Um deles se dedica mais que os outros e realiza uma primeira triagem dos estudos, depois de omitido o nome de seus autores. Em seguida, a comissão se divide para o exame em cada área, do que resulta o conjunto submetido à avaliação final, presentes todos os membros, que então também podem ¿repescar¿ em qualquer área alguma monografia eliminada nas etapas anteriores. No final, os prêmios são dados às que em cada área recebem o maior número de indicações de todos os integrantes da comissão. Mais uma vez, repetiu-se a convergência nas indicações, sem os atritos que costumam marcar comissões como essa.

Com essa outorga o Prêmio Tesouro Nacional acumula 1.296 monografias apresentadas e 177 premiadas. No site www.tesouro.fazenda.gov.br são encontradas as premiadas e as que receberam menções honrosas, um conjunto que todo ano também é transformado em livro pelo Tesouro. O mesmo site dá igualmente acesso aos resumos das não-premiadas. O todo interessa a administradores públicos, a pesquisadores e ao público em geral.

Lamento que jornalistas não venham demonstrando interesse pelos trabalhos que concorrem ao prêmio, na forma de reportagens e entrevistas com seus autores, pois são também de interesse geral. Dá trabalho ler os textos, mas uma lição que aprendi na vida é que é preciso haver um equilíbrio entre ler e escrever. Quem não pratica o primeiro hábito acaba comprometendo o segundo.

Destacarei dois trabalhos vencedores que dizem respeito ao investimento público, cuja fraqueza, conforme apontei acima, é um dos problemas cruciais das finanças públicas nacionais. Assim, Thales Chenso da Silva Rabelo, baseado em dados do período 1985-2005, conclui que ao alto nível de gastos correntes da administração pública brasileira podem ser atribuídos ¿o aumento do déficit público, reduzindo o volume de investimentos privados, a redução do volume de investimentos públicos, a elevação da dívida pública e a redução da taxa de crescimento da economia¿. Na mesma linha, o estudo de Cristina Fróes de Borja Reis conclui, com dados do período 1950-2006, que ¿o menor investimento por parte do Estado, notavelmente em infra-estrutura, ocasionou a redução do investimento privado, afetando negativamente (...) o PIB¿.

Entre os vencedores deste ano novamente surgiu em primeiro lugar numa das áreas o jornalista Sérgio Gobetti, da sucursal de Brasília deste jornal, desta vez em co-autoria com André Amorim Alencar, um mestrando da Universidade de Brasília e pesquisador da Confederação Nacional de Municípios. Apresentaram estudo do sistema de transferências intergovernamentais entre 2000 e 2007, em particular para os municípios, mostrando que elas apresentam distorções em termos de eqüidade fiscal.

Em 1999 escrevi artigo intitulado Mestres funcionários sobre o prêmio daquele ano, ao constatar que entre os premiados havia muitos funcionários públicos com o título de mestre. Desta vez, os funcionários novamente predominaram entre os premiados, com destaque para técnicos do Ipea, batendo assim os pesquisadores acadêmicos. Além disso, predominaram funcionários com título de doutor, o que demonstra que o tratamento de ¿dotô¿, que indistintamente costuma ser outorgado aos funcionários públicos, agora já se justifica para os que têm a titulação acadêmica correspondente.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda