Título: Cientistas pedem fim de oligarquia
Autor: Escobar, Herton
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/12/2008, Vida &, p. A11

Em manifesto, pesquisadores reclamam de descaso do CNPq com as necessidades das pequenas instituições

Herton Escobar

Um manifesto assinado por mais de 180 cientistas, alunos e professores de pequenas instituições de ensino e pesquisa do País acusa o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de funcionar como uma ¿oligarquia¿, ignorando as necessidades de pesquisadores fora da ¿elite¿ acadêmica das grandes universidades. A carta foi enviada no início do mês a várias lideranças políticas do setor em Brasília, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O Estado procurou o CNPq durante mais de uma semana para a reportagem, mas o presidente do conselho, Marco Antônio Zago, não estava disponível para entrevistas.

No manifesto, os autores pedem uma revisão das regras para concessão de bolsas e financiamento de projetos - normas que, segundo eles, não dão chances aos pesquisadores de pequenas instituições. O CNPq, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, é a principal agência de fomento à ciência e à formação de pesquisadores no País.

A principal crítica é em relação ao uso do número de trabalhos publicados como principal (e às vezes único) critério de avaliação de mérito do cientista. ¿O que o CNPq faz é uma comparação quantitativa dos pesquisadores, com base no número de publicações¿, diz o matemático e engenheiro de computação Otávio Carpinteiro, da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), em Minas Gerais, que ajudou a organizar o manifesto. ¿Ora, para fazer uma comparação quantitativa é preciso que haja condições iguais. Não dá para comparar um corredor de pista com alguém que corre na areia.¿

O documento chama a atenção para o fato de que as condições de trabalho não são iguais entre as instituições e que, portanto, os critérios de avaliação deveriam ser diferenciados. As grandes universidades, por exemplo, já possuem grupos de pesquisa bem consolidados, apoiados em programas de mestrado e doutorado com décadas de experiência, o que permite aos pesquisadores desenvolver projetos e publicar trabalhos com mais agilidade.

¿Nos pequenos centros (...) os pesquisadores não só não possuem estas condições como ainda têm de dedicar grande parte de seu tempo à criação destas condições¿, diz o manifesto. ¿É, portanto, incorreto julgar, por um critério igual, pesquisadores que possuem condições de pesquisa desiguais. Esta prática amplifica as desigualdades e é injusta, pois não premia necessariamente os melhores pesquisadores, mas sim os que têm as melhores condições de pesquisa.¿

Cria-se um círculo vicioso: o pesquisador de uma pequena instituição tem mais dificuldade para publicar trabalhos, por isso consegue menos recursos, o que dificulta ainda mais a publicação de novos trabalhos e assim por diante. Carpinteiro, que fez pós-graduação na Inglaterra e na Alemanha, conta que passou nos concursos da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Unifei, mas preferiu Itajubá por causa da qualidade de vida e por sentir que seu trabalho era ¿mais necessário¿ por lá. ¿Muitos amigos disseram que eu era louco, mas não me arrependo¿, conta.

São poucos, porém, os que aceitam esse desafio: segundo Carpinteiro, é difícil atrair professores e recém-doutores para a instituição. ¿O CNPq está destruindo a sobrevivência desses pequenos centros¿, diz.

BOLSAS

O manifesto pede também a extinção da Bolsa de Produtividade em Pesquisa, uma categoria que premia os cientistas que publicam mais trabalhos - e que é tida como símbolo de ¿status¿ na comunidade. ¿Este critério de produtividade e a existência da categoria de Bolsista de Produtividade em Pesquisa, com bolsas concedidas como premiação a poucos, introduziram no CNPq um regime oligárquico constituído por uma bem questionável elite¿, diz o documento. ¿Como em toda oligarquia, só esta elite (a minoria) tem opinião, voto e representação nos órgãos de consulta e julgamento do CNPq. Assim, é natural que as políticas do CNPq sejam voltadas para o benefício de sua oligarquia e não para o bem comum.¿

¿Sou contra essa bolsa e abriria mão dela numa boa se fosse para melhorar a ciência no País¿, diz a pesquisadora Eliana Cancello, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, que também ajudou a organizar o manifesto. Segundo ela, os conceitos de produtividade do CNPq ignoram o valor de outras atividades essenciais da academia, como o ensino, a divulgação e até as funções administrativas. Isso fica evidente dentro de um museu (mesmo um museu da USP), onde a curadoria de coleções e a organização de exposições são atividades cruciais, mas que não resultam em publicações. ¿Fala-se muito no tripé das universidades - ensino, pesquisa e extensão -, mas a única coisa que é valorizada é a publicação¿, afirma Eliana.