Título: Nova missão será enviada a Marte
Autor: Orsi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/12/2008, Vida &, p. A14

A cada 2 anos, posição do planeta favorece o transporte até lá; em 2009, sonda russa vai explorar o local

Carlos Orsi, estadao.com.br

Um robô movido a energia nuclear do tamanho de um pequeno automóvel, armado com um canhão de raios laser e que vai pousar com a ajuda de um guindaste voador. Uma sonda projetada para pousar em uma lua instável de 18 km de diâmetro, recolher uma amostra da superfície e disparar um foguete com o material de volta para a Terra, com uma colônia de bactérias - microorganismos enviados ao espaço para determinar se a vida terrestre é capaz de sobreviver a 34 meses de exposição ao cosmo.

Veja mapa com os principais `pontos turísticos¿ de Marte

Pode soar como ficção científica, mas essas são as missões Mars Science Laboratory (MSL, ou Laboratório Científico de Marte) e Phobos-Grunt (Solo de Fobos), em preparação, respectivamente, na Nasa e na Agência Espacial Federal da Rússia (Roscosmos) para lançamento em 2011 e no segundo semestre de 2009.

Uma vez a cada dois anos, as posições relativas de Marte e da Terra no espaço favorecem o transporte entre os dois planetas. A oportunidade de 2007 teve apenas o lançamento da sonda americana Phoenix, mas o próximo ano promete uma temporada mais movimentada, ao menos no que diz respeito aos países emergentes: a Phobos-Grunt dará carona à primeira sonda marciana da China, a Yinghuo-1, que ficará em órbita do planeta. Já a Nasa, por causa de dificuldades do projeto, vai perder a janela. No início de dezembro, a agência americana anunciou que o MSL, escalado para 2009, teria de esperar até 2011.

¿O trabalho está, na verdade, progredindo bem¿, disse, na entrevista coletiva em que o adiamento foi anunciado, o administrador da Nasa, Michael Griffin. ¿Infelizmente, a janela para lançamentos a Marte só se repete a cada 26 meses.¿ Com um custo total estimado em US$ 2,2 bilhões, o MSL - e, em conseqüência, a exploração de Marte - representa a principal aposta da Nasa em termos de pesquisa científica desta década (ou, por conta do adiamento, do início da próxima).

Tanto interesse pelo planeta vermelho pode soar estranho: afinal, Marte é explorado com sondas desde 1965, quando a Mariner-4, da Nasa, enviou à Terra as primeiras 22 fotografias do planeta , mostrando uma superfície desértica, marcada por crateras, e confirmando a presença de uma tênue atmosfera de CO2.

De lá para cá, o progresso obtido foi enorme - as primeiras fotografias coloridas feitas diretamente na superfície foram enviadas pelas Vikings, nos anos 1970. Elas também fizeram os primeiros experimentos, inconclusivos, sobre a presença de vida. Trinta anos mais tarde, em novembro de 2008, a sonda Mars Reconnaissance Orbiter (MRO) bateu o recorde de maior volume de dados enviado à Terra por uma missão espacial: 72,9 terabits, ou mais de 9 mil gigabytes, o que corresponde a cerca de 90 discos rígidos de um computador doméstico médio.

Em 43 anos de exploração, Marte se revelou um mundo de presente complexo e passado enigmático. Tem paisagens, como cânions, leitos de rios e deltas, que parecem esculpidas por água, mas trata-se de uma água que não existe mais na superfície e que pode ter escapado para o espaço ou desaparecido no subsolo.

Marte tem o maior vulcão do Sistema Solar, Olympus Mons, mas parece geologicamente morto. Sua atmosfera de gás carbônico sustenta um clima que atrai cientistas por funcionar como uma versão simplificada do que pode vir a acontecer à medida que aumentam as concentrações de gases do efeito estufa na Terra.

O fato é que cada descoberta em Marte dá margem a novas perguntas sobre ele mesmo ou sobre processos que podem ser comuns a todos os planetas terrestres, como explica o engenheiro Ramon Perez de Paula, um dos administradores da missão Phoenix, encerrada em novembro. Mesmo tendo durado cinco meses do ártico marciano, a sonda deixou várias questões sem resposta.

¿Determinamos que há gelo de água no ártico, mas não conseguimos analisar o gelo em si¿, explica. ¿Também vimos que o gelo, em algumas valas no solo, era mais mole que o gelo ao redor, mas não conseguimos descobrir o motivo. O que há nesse gelo? Será que ele contém sais? Será que derrete em certos períodos? Porque o eixo de Marte muda, e pode ser que derreta em certas épocas. O que se concentra naquelas valetas, misturado ao gelo? Não conseguimos determinar.¿

Embora o volume de dados dos satélites seja enorme, De Paula diz que é necessário integrar a exploração a partir do espaço com a que é feita ¿in loco¿. Ele lembra que a Phoenix foi enviada para buscar gelo depois que sinais de hidrogênio foram captados por sondas orbitais. ¿Mas até provarmos lá, que era mesmo H2O, até tocarmos a água, ninguém ia acreditar.¿ O mesmo se aplicaria, diz ele, aos sinais de que a topografia das regiões de Marte mais próximas ao equador teria sido modificada por água corrente no passado. Esses sinais foram levantados por fotografias tiradas do espaço e reforçados por análises também feitas a partir da órbita marciana.

¿Tudo indica que houve água. O pensamento atual é de que os cortes no terreno, as camadas, foram feitos por água, mas para convencer de vez os cientistas é preciso ir até lá e encontrar a confirmação.¿ Isso viria sob a forma de moléculas que só poderiam ter sido formadas na presença do líquido. Além disso, depósitos deixados pela água de rios ou mares poderiam ter ¿assinaturas biológicas¿ - sinais de vida, presente ou passada.

¿É preciso manter um equilíbrio entre as missões em órbita e as missões em solo¿, diz ele. ¿Parece que Marte e a Terra começaram muito parecidos, e acabaram muito diferentes. É importante entender o que aconteceu lá, e se poderia ocorrer aqui.¿