Título: Israel busca restabelecer seu orgulho militar
Autor: Simon, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/12/2008, Internacional, p. A12

Alguns dão razão a Israel. Outros justificam o Hamas. Mas a maior parte das pessoas desiste de escolher e deplora o ¿horror da história¿. O horror é que cada uma das partes tem razão, ou pelo menos, suas razões. Cada um tem razão: é disto que se constituem todas as grandes tragédias, de Ésquilo a Sófocles.

Gostaria de evitar esse conceito óbvio e lançar um pouco de luz sobre outras guerras que, talvez, se dissimulam por trás do atual confronto. A primeira é uma guerra eventual de Israel com o grupo extremista Hezbollah, apoiado pelo Irã e pela Síria no Líbano, que o Exército israelense tentou destruir em 2006 - quando ocorreu o impensável: Israel foi vencido pelo Hezbollah.

A fama da invencibilidade israelense, forjada em 50 anos de heroísmo, voltou a ser contestada. E Israel, por motivos políticos e também psicológicos, sente-se condenado a restabelecer o mito dessa ¿invencibilidade¿.

Enquanto isso, prepara-se outro conflito, pior do que este, com um adversário mais impressionante, o Irã, que é um grande país prestes a ter a bomba nuclear. O presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, promete ¿riscar Israel do mapa¿.

Uma bomba nuclear iraniana nas mãos de Ahmadinejad seria um perigo mortal para Israel. Portanto, se as sanções internacionais não dobrarem o Irã, se Barack Obama não conseguir atar todos os fios para o diálogo que disse querer buscar, então, Israel poderá, no mês que vem, assumir a responsabilidade de destruir por meio de ataques aéreos as instalações nucleares do Irã com o risco de atear fogo a toda a região, e levar o mundo à beira do abismo. É evidente que não faltam barris de pólvora. E estes barris são cada vez mais explosivos, porque cada protagonista aproveitou os dois anos de relativa calma para aumentar seus arsenais mortíferos.

O Hamas aproveitou-se da mediocridade, talvez voluntária, do controle estabelecido pelo Egito para reforçar seus arsenais. Debaixo da fronteira foram cavados túneis entre Gaza e o Egito, pelos quais passam alimentos, mas também armas e munições. O Hamas conta hoje com 15 mil soldados bem armados e 20 mil foguetes.

O Hezbollah, no Líbano, recebe os enormes quantidades de armamentos enviados pela Síria e pagos pelo Irã. Segundo os serviços secretos, o Hezbollah disporia de 40 mil a 50 mil foguetes e mísseis. Alguns desses foguetes, dotados de um alcance de 115 quilômetros, atingiriam Haifa, em Israel. Hoje, o Hezbollah é tão forte no Líbano que poderia lançar um ataque contra Israel. E, em caso de conflito, a Síria, que permaneceu neutra em 2006, continuaria inerte?

E, finalmente, Israel também trabalhou sem parar para devolver a seu Exército o antigo orgulho. A humilhação de 2006 produziu várias reformas. Todas as unidades foram reformuladas e modernizadas. A mesma reestruturação foi aplicada às forças aéreas, principalmente aos ¿drones¿, aviões não tripulados, usados para a vigilância da região de Gaza e do sul do Líbano.

Esse é o quadro que encontramos, além do espetáculo sinistro apresentado, neste momento, pelo Hamas e por Israel. E, sem dúvida, será impossível compreender o que ocorre em Gaza neste momento se não levarmos em conta os outros campos de batalha que já se prefiguram por trás dos incêndios dos últimos dias.

* Giles Lapouge é correspondente em Paris