Título: Falta de assistência amplia tragédia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2009, Internacional, p. A8

Com a região sob forte ataque, moradores da Faixa de Gaza não conseguem socorro médico e muitos acabam morrendo pela falta de assistência. O fazendeiro Zeytoon Samori perdeu dois filhos dessa forma. ¿Por três dias ligamos para grupos humanitários pedindo ajuda, dissemos que haviam feridos e não podíamos sair. Ninguém conseguiu chegar a nós e meus filhos sangraram até morrer¿, falou à TV Al-Jazira, carregando no colo o corpo de seu filho de apenas 7 meses.

As operações militares impediram que ambulâncias do Crescente Vermelho respondessem a diversos chamados. No domingo, uma mulher de Zeitoun, norte da Faixa de Gaza, não conseguiu chegar ao hospital para dar à luz. Com complicações, o bebê morreu ao nascer e a mãe sofreu ruptura uterina, informa o site da entidade, citando exemplos de mortes atribuídas à falta de capacidade de atendimento. A família havia pedido socorro durante várias horas e acabou levando a mulher ao hospital em uma charrete, mas já era tarde demais.

Mesmo para quem chega aos hospitais, não há garantias de tratamento. ¿Estamos operando nos corredores, há pacientes por toda parte e muitos morrem antes de conseguir tratamento¿, escreveu no blog da CNN o médico norueguês Erik Fosse, que trabalha no hospital Al-Shifa, o maior do território palestino. Assustado com a quantidade feridos e mortos dos últimos dias, o diretor do hospital, Ahmed Khalaf, cobrou uma atitude do restante do mundo. ¿É uma vergonha a comunidade internacional ficar em silêncio sobre esses assassinatos em massa¿, afirmou.

A Faixa de Gaza também sofre com a falta de eletricidade e gás, o que deixa a população exposta ao frio. Meteorologistas preveem temperatura em torno dos 5°C nas noites desta semana, e os ventos podem chegar a 25km/h. Milhares de famílias enfrentam ainda a falta de água potável, pois os ataques danificaram muitas caixas d¿água e a rede de distribuição. A comunicação telefônica também está difícil; muitas torres de transmissão foram destruídas e não é possível recarregar baterias de celulares.

Sem gás ou eletricidade em casa, Ahmed Sabih e Mohammed al-Mashharawi, de 10 e 11 anos, subiram no telhado em chamas do prédio onde moravam, na Cidade de Gaza, para esquentar um pouco de água. Acabaram sendo atingidos por um míssil israelense e morreram. Como a imprensa está impedida pelo Ministério da Defesa de Israel de entrar na Faixa de Gaza, a história dos meninos foi contada por um vizinho que conseguiu telefonar a Amira Hass, repórter do Haaretz.

Há relatos de que as forças israelenses ordenam que alguns residentes deixem suas casas para evitar que sejam atingidos no confronto com militantes do Hamas. Sem ter para onde ir, algumas famílias procuram refúgio nas escolas da ONU.

Muitos, porém, acabam presos em meio ao fogo cruzado. ¿Tudo que podemos fazer é pegar roupas quentes e rezar para que, se morrermos, alguém encontre nossos corpos¿, afirmou por telefone à Associated Presse o motorista Mohammed Salmai. Ele contou que parentes seus estavam trancados em uma sala do prédio vizinho, invadido pelo Exército de Israel.

As crianças estão entre as que mais sofrem. Mesmo quando não são vítimas diretas dos ataques, acabam traumatizadas. ¿À noite, tento contar histórias para meu filho de 4 anos, para distrai-lo das bombas, mas ontem ele disse que não quer mais ouvi-las¿, disse Asma Al-Ghoul, jornalista do diário palestino Al-Ayyam. ¿As crianças ficam fazendo perguntas que não sabemos responder. Meus filhos nunca viram um israelense e não quero que cresçam odiando, mas é muito difícil.¿