Título: Crise em Gaza move peão de guerra fria regional
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2009, Internacional, p. A10

A ofensiva israelense contra o Hamas na Faixa de Gaza acentuou ainda mais a divisão entre os países vizinhos de Israel. Em uma espécie de ¿guerra fria¿ que já se prolonga por alguns anos, nações árabes lideradas pelo Egito, aliado dos EUA, disputam com o Irã a influência política na região.

Os egípcios e jordanianos têm acordos de paz com Israel. O presidente do Egito, Hosni Mubarak, recebeu a ministra das Relações Exteriores de Israel, Tzipi Livni, no Cairo, no dia anterior ao início dos bombardeios israelenses na Faixa de Gaza.

A Arábia Saudita, também aliada dos EUA, recentemente fez uma proposta de paz para os israelenses em troca da retirada dos territórios palestinos. Todos mantêm relações com o Fatah, grupo do presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, que governa a Cisjordânia.

Do outro lado, o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, com um discurso anti-Israel, dá apoio ao Hamas e ao Hezbollah. Seu único aliado na região é a Síria. O grupo aliado aos EUA,é composto por regimes ditatoriais ou monarquias majoritariamente sunitas e árabes, mas alguns desses países, como o Egito, têm governos seculares.

O Irã é persa e xiita, religião minoritária em todos os países árabes, com a exceção do Iraque e do Bahrein. A Síria tem maioria sunita, mas o presidente, Bashar Assad, é alauita e lidera um regime secular. Dessa forma, a divisão entre os países não é feita entre xiitas, de um lado, e sunitas, do outro. Mas sim de acordo com a forma como enxergam o futuro do Oriente Médio. São três os principais pontos de divergências entre os dois campos - o Iraque, o Líbano e os palestinos. O primeiro diz respeito à disputa para saber quem exercerá mais influência em território iraquiano após a retirada dos EUA. Os dois últimos são os que envolvem Israel.

O Irã apoia o Hezbollah no Líbano, que é xiita e já travou uma guerra contra os israelenses. Os outros países são aliados da coalizão governista libanesa, controlada por sunitas. Em maio, haverá eleições no país. Um fracasso do Hamas em responder à ofensiva em Gaza pode fortalecer os aliados libaneses de egípcios e sauditas.

O Hamas, mesmo sunita, se aproximou do Irã, com quem compartilha o ódio a Israel. O Fatah, apesar de divergências históricas com nações árabes, tem se aproximado do Egito e da Jordânia, que o veem como moderado. Além disso, o Hamas foi criado com inspiração na Irmandade Muçulmana, principal grupo opositor tanto no Egito como Jordânia.

A Síria, apesar de estar do lado iraniano, vinha negociando indiretamente um acordo de paz com Israel. O conflito congelou o diálogo. Mas o destino da Síria, na avaliação de analistas da região, dependerá muito mais do governo do americano Barack Obama do que do resultado da ofensiva em Gaza.

Um dos motivos para a divisão entre esses dois blocos de países é que, para alguns, o Irã passou a oferecer os mesmos riscos que Saddam Hussein na época em que governava o Iraque e desenvolvia um programa nuclear.

Os líderes árabes temem que o regime iraniano possa provocar instabilidade na região, segundo o professor da Universidade Columbia, Rachid Khalidi. ¿Mas é claro que a maioria do povo árabe se preocupa muito mais com os israelenses que com o Irã¿, diz Khalidi. ¿Isso demonstra como esses regimes nem sempre representam as suas populações.¿

A Turquia, um membro da Otan que mantém relações militares e diplomáticas com Israel, causou surpresa ao criticar os bombardeios israelenses. A população do país (não-árabe) é uma das mais anti-EUA da região. O conflito, porém, não deve alterar a postura pró-Ocidente de Ancara.