Título: Judiciário deixa de acompanhar os processos dos presos mais perigosos
Autor: Brandalise, Vitor Hugo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/01/2009, Metrópole, p. C1

Para juiz-corregedor, que relatou situação ao CNJ, caos estimula as agressões entre detentos e funcionários

Vitor Hugo Brandalise

O juiz-corregedor dos presídios da Comarca da Capital, Cláudio do Prado Amaral, responsável por processos de 19 estabelecimentos prisionais do Estado, denunciou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a falta de controle nas execuções penais em penitenciárias e cadeias paulistas, com conhecimento da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo. Segundo o juiz, não há acompanhamento satisfatório dos processos nem nas quatro penitenciárias de segurança máxima do Estado - Avaré 1, Presidente Bernardes e Presidente Venceslau 1 e 2 -, onde estão líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC).

¿Não tenho certeza do que se passa nesses lugares, nunca coloquei os pés em nenhum deles¿, admite o juiz, responsável por 2.205 processos das unidades do interior. A falta de sintonia entre quem fiscaliza os presídios de segurança máxima - atualmente, juízes de varas do interior - e o juiz-corregedor da capital facilita a ocorrência de agressões, abusos e maus-tratos entre presos e funcionários. ¿Sem a presença do juiz-corregedor, as inspeções geralmente não passam dos gabinetes da direção do presídio. Toda a sujeira continua embaixo do tapete¿, afirma o padre Valdir Silveira, vice-coordenador nacional da Pastoral Carcerária, que protocolou no início de dezembro representação no CNJ tratando do mesmo assunto. Tanto o juiz-corregedor quanto a Pastoral defendem que os processos de presos das penitenciárias de segurança máxima voltem a ser competência de comarcas do interior, como eram até 2003.

Dificuldades no julgamento de processos penais - que, entre dez itens da Lei de Execuções, dizem respeito a progressão ou regressão nos regimes, livramento condicional e autorização para saídas temporárias -, segundo especialistas em Direito Penal entrevistados pelo Estado, contribuem para aumentar o nível de tensão dentro dos presídios. À população, o problema só chega quando o caso adquire contornos dramáticos. ¿Quando se trata de crime organizado, qualquer erro administrativo é perigoso para a segurança pública. Mas só no pior dos casos, como nos ataques de maio de 2006, a população sente a desordem no Judiciário¿, afirma o presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Sérgio Salomão Shecaira.

¿Presos que não sabem o andamento de seus processos se tornam mais violentos e propensos a revoltas e rebeliões. Em um Estado onde o poder paralelo e o crime organizado tomaram proporções sem precedentes, esse tipo de problema é ainda mais grave¿, afirma Shecaira. A importância de um bom trabalho de execução penal fica evidente nos mutirões do CNJ, que já resultaram na libertação de mais de 1.200 presos em quatro Estados (mais informações na página C3).

As denúncias do juiz Cláudio Amaral foram enviadas ao CNJ e ao CNPCP em 24 e 27 de novembro, por meio de ofícios, que reproduzem alertas encaminhados à Corregedoria-Geral desde 30 de janeiro. Como exemplo da desorganização, ele cita relatórios de inspeção em que ¿nada consta¿ como irregularidade, quando, na verdade, a situação nas prisões é bem diferente. ¿Apesar de não aparecerem práticas irregulares nos relatórios, só em 2008 recebi mais de 200 cartas de detentos do interior com reclamações. Situações assim dificultam a capacidade do julgamento e todo o andamento dos processos¿, diz o juiz. Amaral também demonstra preocupação em relação aos casos de presos do interior que, em pouco mais de um ano, tiveram seus processos tratados por três juízes diferentes - acarretando tratamento diferenciado para processos idênticos.

Por meio de nota, o juiz auxiliar Hélio Nogueira, da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo, afirma que ¿maciçamente considerados¿ os processos dos presídios do interior estão sob responsabilidade de outras comarcas, definidas por proximidade territorial. Os processos restantes - os que dizem respeito às penitenciárias de segurança máxima do interior ­-, segundo o juiz, são competências ¿residuais¿, sob encargo do ¿Decrim (Departamento Técnico de Apoio ao Serviço de Execuções Criminais), melhor capacitado à demanda de serviços¿, ou seja a 1ª Vara de Execuções Criminais, responsabilidade do juiz Cláudio Amaral.

Nogueira também ressalta o fato de que as execuções estão sob responsabilidade não somente de um magistrado, mas de outros três juízes auxiliares, com o suporte de dois departamentos do Serviço Técnico de Apoio às Varas de Execuções Criminais de São Paulo. O magistrado ainda afirma que, no Tribunal de Justiça, ¿a regra é a desconcentração, a especialização, tal qual hoje já está sendo recomendado pelo Conselho Nacional de Justiça¿ e ¿o caminho hoje adotado deve ser continuado e aperfeiçoado¿.

CONFUSÃO

A confusão na administração dos presídios se intensificou em novembro do ano passado, quando foram instaladas as cinco varas responsáveis pela execução penal dos presos da capital, em substituição à Vara Única que existia. A ideia era diluir os processos dos presídios entre cinco juízes, para dificultar que algum deles ficasse marcado pelo crime organizado - o exemplo citado na época foi o do juiz-corregedor da Comarca de Presidente Prudente, José Antonio Machado Dias, assassinado por integrantes do PCC em 2003.

¿São os processos dos presos mais perigosos do País, é arriscado que apenas um homem fique responsável por todos¿, diz Amaral. ¿Foi criada uma supervara, sem que houvesse aparelhamento necessário. O primeiro passo para corrigir as distorções é encurtar distâncias. Os juízes têm de conhecer os presídios para promover seus julgamentos.¿ COLABOROU BRUNO TAVARES