Título: E por falar em cúpulas
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/12/2008, Espaço Aberto, p. A2

Pelo feito de conseguir organizar, ao mesmo tempo, quatro encontros internacionais de cúpula, incluindo a quase totalidade dos presidentes das Américas (os do Peru e da Colômbia não compareceram), o Brasil deveria entrar para o Guinness Book of Records.

Em quatro dias, foram realizadas reuniões do Conselho do Mercosul, da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e do Grupo do Rio e da primeira Cúpula dos Países da América Latina e do Caribe sobre Integração e Desenvolvimento (Calc) em 200 anos. Ao todo, compareceram 33 chefes de Estado e de governo ou seus representantes, que discutiram questões relacionadas com o processo de integração regional e a crise financeira internacional.

De relevante pode ser mencionado o reingresso de Cuba na comunidade latino-americana, ao participar das reuniões do Grupo do Rio, e a declaração pedindo o fim do embargo econômico; a ausência dos EUA e do Canadá no encontro hemisférico; a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, no âmbito da Unasul; a criação da Organização dos Estados da América Latina e do Caribe (Oealc); e a ameaça do Uruguai de se retirar da Unasul caso não fosse levado em conta seu veto à indicação do ex-presidente argentino Néstor Kirchner para a presidência da instituição.

No tocante ao encontro presidencial do Mercosul, o Brasil havia anunciado que considerava serem prioridades em sua presidência pro tempore, que termina agora em dezembro, o aprofundamento e aperfeiçoamento da Tarifa Externa Comum (TEC); a eliminação da sua dupla cobrança e a distribuição da renda aduaneira; a aprovação do Código Aduaneiro; ampliação do tratamento das assimetrias entre os países membros com a criação do Fundo de Apoio à Pequena e Média Empresa e do Fundo da Agricultura Familiar; a adesão da Venezuela; maior participação da sociedade civil, com a criação do Programa Mercosul Social e Participativo e a realização da reunião com os ministros da área social; nas negociações externas, obter consenso para concluir a Rodada Doha na OMC e, em relação aos acordos regionais, reativação do Acordo Mercosul-União Européia e impulso às agendas negociadoras e de diálogos com o Conselho Econômico do Golfo, Jordânia, Marrocos, Egito, Turquia, Índia, Coréia e países da Asean.

A leitura do comunicado final do encontro, porém, mostra que muito pouco foi alcançado. Dois fundos de apoio à pequena e média empresa e à agricultura familiar foram criados. Inaugurou-se um novo capítulo com a inclusão de temas sociais nas reuniões de cúpula. Na área comercial nenhuma das prioridades brasileiras foi alcançada e o único avanço nas negociações da agenda externa foi a assinatura de acordo de preferências tarifárias com a União Aduaneira da África Austral (Sacu), pouco relevante do ponto de vista comercial.

Coerente com a política de generosidade e solidariedade com os países do Mercosul, o Brasil decidiu bancar a maior parte dos recursos financeiros de dois desses fundos. O fundo para as pequenas e médias empresas do Mercosul contará com US$ 100 milhões - dos quais 70% financiados pelo Brasil - para utilização como garantia em empréstimos concedidos por bancos públicos e privados dos países membros para projetos de integração produtiva. O outro fundo, para a agricultura familiar, também contará com participação majoritária brasileira, na mesma proporção do anterior. Com relação ao Fundo de Convergência Estrutural (Focem), para o financiamento de obras de infra-estrutura e iniciativas de aumento de competitividade e promoção da inclusão social, o Brasil anunciou que dobrará sua contribuição de US$ 70 milhões para US$ 140 milhões.

É interessante observar que o financiamento brasileiro para todos os três fundos ocorre no momento em que Equador, Bolívia, Paraguai e Venezuela anunciam que irão promover uma avaliação de suas respectivas dívidas externas, em grande parte contraídas com o Brasil. O Equador, antecipando-se aos demais, já oficializou a suspensão dos pagamentos dos juros e declarou a moratória de toda a sua dívida. Esses movimentos de repúdio a contratos e acordos internacionais afetarão significativamente o Brasil, o principal emprestador na região.

O Brasil apressou-se em apresentar as cúpulas como demonstração de independência da região em relação aos EUA. ¿Os países da região não podem ser subservientes aos EUA¿, disparou Lula, secundado pelo ministro Amorim, que acrescentou: ¿Os EUA não precisam nem devem retomar a hegemonia na América Latina¿ - engrossando o coro dos que ressaltaram o viés antiamericano das reuniões.

O excesso de reuniões presidenciais, com crescentes sinais de fadiga, pelos seus parcos resultados, reflete, no caso sul-americano, o assembleísmo tão a gosto dos líderes sindicais que ocupam hoje a chefia de um grande número de Estados.

A organização das quatro cúpulas, sem dúvida, demonstra o grande poder de convocação do governo brasileiro (não deixa de ser simbólico o avião presidencial brasileiro ter ido buscar um grupo de chefes de Estado da América Central e do Caribe). Dentro dos sonhos de grandeza do atual governo, Lula tenta se credenciar como uma liderança moderada, alternativa entre a hegemonia dos EUA e a proposta chavista bolivariana (Alba).

Confrontados, porém, com essas opções de liderança, os países centro-americanos, totalmente dependentes do mercado dos EUA (já negociaram um acordo de livre comércio com Washington), os caribenhos e diversos vizinhos sul-americanos não hesitarão em fazer sua escolha.

Vamos ver quantos dos chefes de Estado, tão críticos dos EUA, deixarão de prestigiar a Cúpula das Américas, sob a liderança dos EUA de Obama, que pretende reunir todos os chefes de Estado do continente, exceto Cuba, em abril de 2009.

Nenhum, a meu ver.

Rubens Barbosa, consultor de negócios, é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp