Título: Zero para o RH do governo federal
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2009, Espaço Aberto, p. A2

Esse RH não se refere a tipo sanguíneo, mas à área ou departamento que trata de recursos humanos, conhecidos por essa sigla em empresas e outras organizações. Vou abordar o assunto conforme a divisão de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Eles administram separadamente suas áreas de RH, mas todos merecem zero ao fazer isso, pois são graves as falhas que evidenciam.

Uma política de RH deve selecionar eficientemente em quantidade e qualidade o pessoal adequado ao desempenho de suas funções, prover treinamento levando em conta os avanços da ciência e da técnica, manter avaliações de desempenho e remunerar para atrair os talentos necessários e estimular o desempenho e a progressão na carreira.

Esses aspectos são cruciais para bem utilizar recursos humanos, ponderando também o seu custo. No caso dos salários, por exemplo, dentro do critério conhecido como de equivalência salarial, uma organização deve sempre avaliar quanto paga, inclusive benefícios, relativamente ao que é pago no mercado de trabalho em geral, em ocupações, funções ou cargos de requisitos educacionais, treinamento, experiência e responsabilidades equivalentes. Se pagar menos, não atrairá bons profissionais; se pagar em excesso, poderá atrair gente mais qualificada do que precisa, com desperdício de recursos humanos e, em qualquer caso, financeiros.

Empresas adotam esse critério por questões de rentabilidade e competitividade. Governos devem também segui-lo para uma boa gestão fiscal e com vista à equidade no tratamento de seus funcionários relativamente aos demais trabalhadores. Nenhum dos três Poderes segue esse critério no Brasil.

No Executivo, sua administração de RH já se marca como uma herança maldita para os governos que virão. Permitiu-se que fosse tomada de assalto por militantes partidários, sindicalistas e corporações de funcionários. Entre outros resultados, vieram o empreguismo, que tipifica a forte expansão dos cargos sem concurso, e os supersalários, evidentes nos vários concursos que oferecem remuneração inicial muitíssimo superior à do mercado de trabalho em geral.

Matéria recente do Correio Braziliense (12/1) mostrou que em seis anos o governo Lula contratou 62% mais servidores do que o de FHC em oito. A mesma reportagem referiu-se também aos supersalários e à satisfação do presidente da Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal, Sérgio Silva, a demonstrar o clima de festa salarial: ¿Antes, fazíamos greves para tentar iniciar um processo de negociação. Hoje, eles estão instalados. Do ano passado até 2011(!), há R$ 48 bilhões(!) negociados.¿ Ou seja, até o futuro foi negociado, numa enorme transação em que o contribuinte paga a conta, e não há quem o defenda.

No Legislativo, e falando apenas dos funcionários, os supersalários também tipificam vários cargos efetivos. E há a absurda presença de milhares de contratados, não-efetivos, por livre indicação dos parlamentares e a serviço deles. E, também, de suas campanhas eleitorais futuras. Assim, delas já há o tão discutido financiamento público, só que a beneficiar apenas parlamentares.

Neste início de ano, foi o mesmo Legislativo, e particularmente a Câmara dos Deputados, que se destacou nas benesses para o funcionalismo. Primeiro, nela foi regulamentado um adicional de pós-graduação criado por lei, mas estendido a cargos de chefia. Ora, pensando como administrador de RH, se a Casa entende que a pós-graduação é indispensável a funcionários, deveria exigir essa titulação nos concursos, e os salários que paga continuariam atraentes. E por que estender o benefício?

Segundo, para dar plano de saúde também aos contratados sem concurso, decidiu entregar ao sindicato de servidores a gestão do plano já existente para os efetivos, incluindo assim um quarto ator na já normalmente complicada relação entre contratante, beneficiários e provedor de plano de saúde, um risco que bons administradores de RH preferem não correr. O resultado materializou esse risco, pois o sindicato quis contratar um novo provedor, para enorme insatisfação dos funcionários efetivos.

Na terça-feira, recuperada a lucidez, a direção da Casa voltou atrás nas duas medidas. Na primeira, contrariada pela disposição de servidores em pedir na Justiça o efeito retroativo do adicional instituído; na segunda, acuada pela reação dos efetivos e de vários deputados contra a contratação de novo provedor do plano de saúde. Os dois abacaxis ficaram para a nova direção da Câmara, que assumirá em fevereiro.

No Judiciário, o que passa em suas veias em matéria de RH é menos conhecido e noticiado. Não me tocam as informações de que o salário médio do Judiciário é maior, pois a estrutura de seus cargos tem grande peso de juízes e promotores, cuja remuneração é mais elevada. Mas, pensando em administração de RH, não consigo entender por que nesse Poder, em que não existem cargos eletivos, também há contratação sem concurso para cargos de confiança. E, ainda, por que magistrados em início de carreira têm praticamente a mesma remuneração que cabe ao final dela, desprezando toda a relação que, teórica e também empiricamente, em outras organizações existe entre remuneração e requisitos de escolaridade, treinamento, experiência, responsabilidade e hierarquia funcional.

Por tudo isso, e muito mais que poderia ser dito ou escrito, é que não há como bem avaliar a administração de RH dos três Poderes desta República, a qual, aliás, nem faz jus ao nome, pois dentro dela, como neste caso, o interesse público carece de defensores.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda