Título: Melhor hospital psiquiátrico do RJ fecha as portas
Autor: Cimieri, Fabiana
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/12/2008, Vida &, p. A24

Clínica diz que governo não reajusta pagamento; para ministério, há falha na tentativa de reinserir pacientes

Fabiana Cimieri

Apesar de ter sido considerado pelo Programa Nacional de Avaliação do Serviço Hospitalar do Ministério da Saúde como o melhor hospital psiquiátrico do Rio, a Clínica Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, teve de dar alta aos 240 doentes internados - que estão agora sem tratamento e medicamentos adequados.

O último deixou a clínica em 10 de dezembro. Ele e outros sete pacientes haviam sido encaminhados à clínica pela Secretaria Municipal da Saúde e não tinham parentes que pudessem se responsabilizar por eles. Foram para outros municípios do Estado. Os outros pacientes, que foram recebendo alta ao longo de dois meses, têm dificuldades para conseguir atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), afirma a diretora do Grupo Representativo dos Doentes Mentais da Baixada Fluminense, Lídia Bei.

Os casos de desassistência preocupam a direção da clínica. Um dos pacientes voltou para casa, onde o pai desempregado tem de cuidar dele e de outras duas filhas também doentes mentais numa situação de miséria. A mãe de um dos internados construiu uma espécie de jaula para mantê-lo em casa. A comida é passada por um buraco. ¿Ele mesmo não quer sair dali porque sabe que pode agredir alguém ou se machucar¿, explicou a mãe.

Caxias, que tem 862 mil habitantes, tem um Centro de Apoio Psicossocial (Caps), enquanto o Ministério da Saúde preconiza 1 a cada 100 mil habitantes. A equipe médica não tem psiquiatra, só um clínico-geral e um psicólogo.

Um paciente esquizofrênico que havia matado a mulher porque viu um bicho em suas costas estava na clínica após dois anos no manicômio judiciário. Outro, que se identificou como Maurício, tem de andar mais de três horas em busca de medicação. ¿Quando chego ao Caps nunca há todos os que preciso. A consulta foi marcada só para março de 2009.¿

A Lei nº 10.216, de 2001,marco legal da reforma psiquiátrica, prevê a desativação gradual de leitos em hospitais psiquiátricos, que seriam substituídos por uma rede de atenção à saúde mental. O novo modelo previa que diagnóstico e encaminhamento seriam feitos por meio do Programa de Saúde da Família, as crises seriam atendidas na emergência dos hospitais-gerais e o tratamento dos casos graves seria nos Caps, gerenciados pelos municípios.

¿O problema foram os leitos desativados antes de a rede ser criada, e não o contrário, como manda a lei¿, criticou o vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Luiz Hetem. ¿Está acontecendo o mesmo em todo o País.¿

A diretora da clínica, Carmem Teresa do Espírito Santo, justificou o encerramento das atividades dizendo que o ministério não reajusta a tabela de internação para ¿asfixiar financeiramente¿ os hospitais psiquiátricos. A diária paga pelo SUS é de R$ 33,27. Nos hospitais-gerais municipais e estaduais, a menor é de R$ 150.

¿O governo decidiu-se por uma política antimanicomial e colocou todas as clínicas e hospitais no mesmo saco. Decidi fechar porque não tenho mais condições de receber esse valor e manter o nível que fez com que fôssemos considerados a melhor do Estado pelo próprio ministério¿, afirmou ela.

O coordenador de Saúde Mental do ministério, Pedro Gabriel Delgado, negou que o ministério tenha essa intenção. Disse acompanhar a situação de Caxias. ¿O problema não é a falta de leito, mas a baixa rotatividade. Todo mundo critica o programa de saúde mental, mas se esquece que ele existe porque a situação anterior não era satisfatória. Essas clínicas e hospitais falharam na tentativa de reinserir o indivíduo na sociedade.¿

Delgado admite que o governo fez uma escolha: tratar os pacientes mais graves. E reconhece que o atendimento é falho. ¿Temos de ter condição de atender 100% dos pacientes graves. Vamos terminar 2008 com uma cobertura de 56%¿, diz. A meta depende da ampliação dos serviços psiquiátricos nos hospitais-gerais. O próximo desafio, segundo ele, será oferecer tratamento para os transtornos menores, como depressão, pânico e ansiedade, que vêm aumentando. ¿Essas doenças atingem de 15% a 20% da população. Vamos investir no Programa Saúde da Família para ampliar a capacidade de atendimento nesses casos¿, explicou.