Título: BC, o saco de pancadas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2009, Notas & Informações, p. A3

O corte de juros anunciado pelo Banco Central (BC), o maior dos últimos cinco anos, fará pouca ou nenhuma diferença para consumidores e empresários, a curto prazo, a julgar pelas novas taxas anunciadas na quarta-feira pelas instituições do mercado. Com reduções entre 0,05 e 0,08 ponto na taxa mensal, os tomadores de empréstimos continuarão pagando custos escorchantes, em geral superiores a 4% ao mês e, nos piores casos, acima de 8%. Seria cômico, se não estivesse em jogo a saúde da economia brasileira, com riscos muito graves para milhares de empresas produtivas e milhões de trabalhadores dependentes de um salário no fim do mês. Os banqueiros cortaram seus juros apenas para ajustá-los à nova taxa básica da economia, 12,75% ao ano, um ponto porcentual menor que a anterior. Não diminuíram os enormes spreads, a diferença entre o custo pago na captação do dinheiro e o preço cobrado na concessão de empréstimos. Mais notável ainda é o comportamento de líderes empresariais, dirigentes sindicais e políticos de todos os partidos. Mantêm suas baterias voltadas para o BC e não exercem a mínima pressão sobre os bancos - privados e públicos - dos quais dependem, no dia a dia, para conseguir financiamento. Na quarta-feira, houve manifestações de sindicalistas diante do BC, em Brasília, e de suas delegacias noutras cidades. Não houve barulho diante de bancos comerciais ou de quaisquer outras entidades financeiras.

Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu-se com dirigentes de bancos federais e deles cobrou maior agilidade na liberação do crédito. Os bancos públicos, disse depois do encontro o ministro da Fazenda, Guido Mantega, vão continuar cortando os juros finais e também o seu spread. Mas não os criticou pelo modestíssimo ajuste anunciado no dia anterior - tão limitado quanto o das instituições privadas.

A taxa básica administrada pelo BC afeta o mercado muito devagar, tanto na alta quanto na baixa. Pode levar seis meses ou mais para produzir resultados, tanto no combate à inflação quanto no afrouxamento monetário. A curto prazo, seus efeitos mais sensíveis aparecem nas contas públicas, com aumento ou redução dos juros pagos pelo Tesouro e, às vezes, no ingresso ou na saída de capital estrangeiro. No caso do Brasil, é preciso levar em conta, ainda, a enorme distância entre os juros básicos e as taxas cobradas nos empréstimos a consumidores e a empresas. A distância pode ser, por exemplo, entre 12,75% e 80% (taxa equivalente a 5% ao mês de juros compostos) e em muitos casos, no mercado brasileiro, chega a ser bem maior.

No entanto, deve ser muito cômodo, tanto para empresários quanto para sindicalistas, políticos e até ministros, menosprezar esses fatos e concentrar suas críticas e cobranças no BC. Nas últimas semanas, esse comportamento foi exacerbado, como se a solução da crise brasileira dependesse exclusivamente, ou quase, de uma decisão do Comitê de Política Monetária (Copom).

Ao apoiar indireta e veladamente essa ¿tese¿, o presidente da República e seus principais ministros aliaram-se aos queixosos, como se também fossem vítimas de uma perversa teimosia da autoridade monetária. Segundo fontes do Executivo, citadas pela imprensa, o presidente e seus ministros esperavam a decisão do Copom para fechar e anunciar o novo pacote de medidas anticrise.

Conversas desse tipo não passam de mistificação. Até agora, as ações do Executivo destinadas a atenuar a crise produziram resultados limitadíssimos. Em todo o mundo, economistas de respeito defendem a adoção de ações fiscais para estimular a economia. Reduções de impostos podem ajudar, mas o governo só teve iniciativas tímidas e mal concebidas nesse campo. As ações mais importantes deveriam ocorrer na área do investimento, mas o governo federal, como já se mostrou inúmeras vezes, tem sido e continua incapaz de realizar as obras inscritas no orçamento. Esse fato não impede o presidente da República de continuar discursando como se o seu governo fosse uma inesgotável mina de realizações. Nisso ele não se diferencia muito da maior parte de seus auxiliares. Quanto se investiu, nos últimos dois anos, para aumentar a capacidade dos aeroportos e a segurança do transporte aéreo? Seria fácil fazer perguntas semelhantes a respeito dos programas de cada Ministério. Se não funcionam como deviam, a culpa será também do BC?