Título: Da Saúde para as seguradoras
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2009, Notas & Informações, p. A3

Beiram o escândalo as mudanças introduzidas pela Medida Provisória (MP) 451 na forma de ressarcimento pelo Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) dos gastos com atendimento médico-hospitalar a vítimas de acidentes de trânsito. Saem ganhando as seguradoras e saem perdendo, além dos contribuintes, os hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) onde os acidentados são atendidos, sem que o governo federal tenha até agora dado explicações convincentes sobre a necessidade das mudanças e muito menos por que esse é um assunto urgente e relevante para merecer a edição de uma MP.

Antes, aqueles hospitais podiam, por meio de procuração assinada pelo paciente, pedir o ressarcimento, por conta do DPVAT, de despesas com o tratamento. Uma forma simples e rápida de resolver a questão, que interessava tanto ao paciente, já às voltas com os problemas de saúde decorrentes do acidente, como ao hospital. Agora, a indenização terá de ser paga diretamente às vítimas de acidentes. As despesas dos hospitais conveniados com o SUS serão pagas por este. Dessa forma, o governo cassou o direito dos pacientes de delegar aos hospitais em que são atendidos o recebimento do que lhes é devido. Quanto aos hospitais, suas perdas podem chegar a R$ 250 milhões, de acordo com estimativa da Associação Nacional de Trânsito (Anatran). Anote-se que a tabela de remuneração dos serviços hospitalares do SUS é cerca de 30% mais baixa que a do DPVAT.

Por outro lado, a MP favoreceu direta ou indiretamente as seguradoras. Podem elas argumentar que o paciente continua tendo direito ao ressarcimento nos valores de antes, o que é verdade. Só que agora, para obter o reembolso de despesas, que pode chegar a R$ 2.700,00, ele terá de comprovar que teve gastos decorrentes do acidente. Para isso, deverá procurar o Instituto Médico Legal (IML) para fazer avaliação de seus ferimentos e obter dele um laudo que lhe possibilite receber o seguro 90 dias depois. Quantos pacientes se disporão ou terão condições de enfrentar essa maratona burocrática depois de um acidente? O que o governo deveria fazer é criar facilidades para o ressarcimento dos acidentados. Criou dificuldades que beneficiam as seguradoras.

Alega ele que o objetivo da MP é combater fraudes. Sua obrigação, então, é apontar o volume e a natureza dessas fraudes, o que ainda não fez de maneira pormenorizada, como a situação exige. Em nota divulgada pela imprensa para defender a mudança, a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada, Saúde Complementar e Capitalização (CNSeg) argumenta, citando a exposição de motivos da MP 451, que, se as novas regras não fossem adotadas, seria necessário promover um aumento de 23% no preço do seguro. Por quê? Onde estão, se é que existem, os dados que justificariam esse aumento?

Outra justificativa apresentada pela CNSeg é o fato de que, "do valor pago pelos proprietários de veículos para o Seguro DPVAT, 45% são imediatamente destinados e repassados ao SUS" para cobrir os gastos com a assistência médico-hospitalar aos acidentados, repasse que no ano passado atingiu R$ 2,1 bilhões. Muito bem. Mas é muito difícil estabelecer uma ligação entre isto e a nova regra de ressarcimento. O que está em causa é saber por que as seguradoras são contra ressarcir diretamente o acidentado, excluindo a possibilidade de ele dar procuração aos hospitais para agir em seu nome. Afirma a Superintendência de Seguros Privados (Susep), que também saiu em defesa da MP, que a nova regra impede os hospitais de fazer dupla cobrança - do SUS e do DPVAT. Ora, se isto existe, trata-se de caso de polícia, não de uma Medida Provisória como a que foi baixada. E a Susep, que deixa entender que há hospitais que se entregam a essa prática ilegal, está na obrigação de dizer o que sabe a respeito.

Diz o diretor de relações institucionais e jurídicas da Anatran, Luís Francisco Flora, que "o que essa MP vai fazer na prática é retirar dinheiro do Ministério da Saúde para dar às seguradoras". Nada justifica uma medida que prejudica hospitais conveniados com o SUS, muito menos esta ominosa MP assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chefe de um governo que se diz tão preocupado com o social.